"Cadela Rosada
(Rio de Janeiro)
Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.
Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pelo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.
Têm medo de raiva. Mas isso não
é hidrofobia - é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?
(Tetas cheias de leite). Em que favela
você os escondeu, em que ruela
pra viver sua vida de cadela?
Voce não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.
E não são só os pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.
Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?
A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando boias salva-vidas.
Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito
mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia
pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!
Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.
O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!"
(Extraído do livro "Iceberg imaginário e outros poemas", publicado pela Companhia das Letras. Na tradução, Paulo Henriques Britto mostra sua sensibilidade, ele que é também poeta, e encontra maravilhosas soluções para transmitir ao leitor a grandeza lírica de Elizabeth Bishop. Um notável exemplo é o das rimas do décimo terceto: "fantasia", "por aí à" e "devia".)
N
Nenhum comentário:
Postar um comentário