quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Descobertas gramaticais
Uma noite o revisor disse ter descoberto uma simples e infalível regra de acentuação. Consistia em ler em voz alta as palavras e, nas sílabas em que o pescoço se levantasse, acentuá-las. Deu uma demonstração. Disse Catanduva e acentuou: Catandúva. E continuou: Botucatú, diréto, majestôso, Európa, inconstantemênte, ráio. O sistema parecia mesmo simples e ele o utilizou até que uma noite o chefe da revisão o chamou e perguntou que diabo estava acontecendo. Ouvimos os gritos do chefe - "que isso não se repita" - e, quando o descobridor da mágica norma de acentuação voltou para sua mesa e nós imaginávamos que estivesse assustado e decepcionado, ele sorriu e nos disse que o chefe era antiquado, descípulo de gramáticos do século anterior. Depois, numa surpreendente autocrítica, admitiu haver uma falha no seu sistema de acentuação: um simples torcicolo poderia impedir o pescoço de apontar a sílaba sobre a qual recairia o acento. Disse-nos que, por respeito ao chefe e à sua idade, não iria mais usar sua descoberta, e em voz baixa, marotamente, anunciou outra, talvez mais revolucionária ainda: um esquema de virgulação baseado única e exclusivamente no funcionamento dos pulmões. Também, como a regra da acentuação, recomendava a leitura em voz alta, aplicando-se as vírgulas sempre que houvesse uma interrupção para a retomada do fôlego. Uma semana depois, foi novamente chamado à sala do chefe.
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