sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Romance e cinema
A existência cada vez maior de escritores-roteiristas e roteiristas-escritores torna tediosos certos romances, pela exacerbada descrição de cenários, quase sempre sem nenhuma necessidade. Alguns desses romances me fazem lembrar um recurso que eu e os outros meninos usávamos para atingir as habituais vinte linhas pedidas no colégio pelos nossos mestres, falando de coisas que pouco ou nada tinham a ver com o tema tratado. Essa artimanha, que chamávamos de "encher linguiça", parece ter sido retomada por grande parte dos romancistas atuais, com as extensíssimas descrições do cenário em que se desenrola a ação. Eles falam das árvores, do vento, da temperatura, dos relâmpagos que no horizonte anunciam a chuva. E, como se as cenas contassem com a assessoria de alguma das belas moças do tempo da tevê, no parágrafo seguinte, sem aparente utilidade para o desenvolvimento da trama, descrevem a chuva, que chega fraca e se torna intensa, ou que vem forte e vai amainando. Há livros em que cada abertura de capítulo reserva ao menos três longos parágrafos para o desenho do cenário externo, e até do interno (às vezes um bar em que o protagonista nada vai fazer além de tomar um suco). Romance e cinema têm linguagens próprias, e essa tendência de o cinema imiscuir-se sem necessidade no romance talvez se deva à intenção do romancista de, pressupondo a adaptação cinematográfica do livro, ir já facilitando o trabalho do roteirista (que, afinal, poderá ser ele mesmo).
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