"CHOVE? NENHUMA CHUVA CAI
Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?
Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...
E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro em mim.
Se escuto, alguém dentro em mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...
Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?"
(Do livro Poesia de Fernando Pessoa, coleção Nossos Clássicos, Livraria Agir Editora.)
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