quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Breve tratado sobre pitangas

Alguns chegam no escuro
dão vidro moído à cachorrada
o muro transpõem
com certeira escalada
e para devorá-las sacodem
as pitangas da pitangueira

Ninguém os aborrece
ninguém os dedura
ninguém os censura
nada lhes acontece

O dono com bonomia
e certa filosofia
diz que é próprio das pitangueiras
gerar pitangas e oferecê-las
e é próprio dos homens comê-las

É um conceito simples
que se entende bem:
as pitangas são dos homens
(não de todos porém)

A alguns não é lícito apanhá-las
apalpar-lhes a polpa prová-las

Se um desses se aproxima do muro
mesmo se for só para apreciá-las
mesmo que não esteja escuro
solta-se contra ele a cachorrada
e tome xingamento
filho da puta lazarento
e sai daqui que lá vai pedrada

Ao dono cabe a decisão
de quem come as pitangas ou não
e se alguém duvidar de sua verdade
ele vai lá dentro e pega
no gavetão mais bem trancado
o certificado de propriedade

Ali em linguagem
useira e vezeira
de tabelião juramentado
consta tudo sobre a pitangueira:
a data de nascimento
o nome do pai pitangueiro
da mãe pitangueira
de outros parentes
e contraparentes
além do termo de cessão assinado
pelo antigo proprietário
e entre parênteses
em itálico
o gracioso nome
que alguém lhe deu outrora:
Eugenia uniflora.



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