domingo, 17 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 21 - No Estadão e na Folha
Nos meus primeiros tempos de jornal conheci um revisor que trabalhava durante o dia no Estado e à noite na Folha, onde ficava até o início da madrugada. Era dos antigos, devia ter cinquenta anos ou perto disso. Mas algumas vezes, mesmo depois da jornada dupla, não ia direto para casa. Dava uma passada pelo Som de Cristal, a mais famosa gafieira de São Paulo. Só saía de lá com o sol raiando, e parava numa banca de jornais da praça João Mendes. Comprava a Folha e apanhava embaixo do tapete do seu fusquinha um carimbo que aplicava na primeira página: Cortesia. Os funcionários, tanto os do Estado quanto os da Folha, ganhavam exemplares assim carimbados, depois que as rotativas acabavam seu trabalho. E era com esse carimbo que ele se livrava de qualquer suspeita de que pudesse ter estado de madrugada em algum outro lugar que não fosse a Barão de Limeira. A diferença no horário de chegada ele naturalmente atribuía a algum segundo clichê, uma daquelas notícias que surgiam de repente, depois de fechada a edição, e que não podiam ser ignoradas. Ele contava essas peripécias com gosto, como se dissesse aos mais novos que também os velhos sabiam divertir-se, e como. Mas de vez em quando admitia: "Preciso acabar com isso. Meu filho já tem quase dezoito anos e qualquer noite topa comigo lá na gafieira... Imaginaram?" Imaginamos: ele devia ter um metro e cinquenta, era magríssimo, e tinha predileção por mulatas altíssimas, e todas beirando os cem quilos.
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