quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 3 - Dr. Décio
O dr. Décio de Almeida Prado era o diretor do Suplemento Literário do jornal, publicado aos sábados. Às quintas, ele - julgando talvez que poderia trabalhar com maior tranquilidade - descia da redação, no quinto andar, e ia para a revisão, no quarto, para ler as provas finais do suplemento. Lembrando-me do rosto sóbrio dele, da sua compostura, ocorre-me que não existe mais gente como ele. O dr. Décio era o que na época se chamava de homem fino, um cavalheiro. Olhando para ele, eu me perguntava como podia ser assim modesto um homem de tamanha cultura. Ele às quintas ficava pelo menos três horas lá, sempre absorto no seu trabalho. A revisão não era propriamente um lugar silencioso, porém nada parecia perturbá-lo. Talvez a redação fosse ainda mais barulhenta. Eu tinha um orgulho bizarro: gabava-me de ser, de todos os revisores, o que melhor imitava o cocoricó da galinha. Sim, eu já era um pouquinho demente e bebia um bocado. Os outros revisores eram semelhantes a mim, com a diferença de que não sabiam imitar tão bem uma galinha. Isso havia sido decidido, já, em alguns torneios, dos quais eu saíra sempre vencedor. Numa quinta-feira, sei lá por quê, fiz uma dessas imitações, sacudindo todas as penas. Todos ali estavam habituados àquilo e, assim, o único que se alvoroçou foi o dr. Décio, que se levantou de um salto da cadeira e disse a Nelson Lima Neto, chefe da revisão: "Uma galinha, uma galinha!" No dia, e por vários anos depois, eu me vangloriei de minha performance galinácea, que atingira seu ponto supremo. Oswaldo de Camargo, revisor e escritor, narrou o episódio num texto publicado no jornal da Associação Recreativa Julio Mesquita, órgão dos funcionários da empresa. Só bem depois eu me dei conta de que o espanto do dr. Décio era apenas uma demonstração de que, por trás do seu ar sisudo, havia bom humor. E também gentileza.
Hilário! Só imagino a cara do Décio de Almeida Prado...
ResponderExcluirAh, Regina, eu ia dizer que o dr. Décio era único, em cavalheirismo e distinção, mas seria mentira. Havia mais dois ou três em São Paulo - quase iguais.
ResponderExcluir