sexta-feira, 8 de março de 2013

Dois trechos de Luiz Carlos Cardoso

"Stendhal, grande amoroso e pequeno amante, escreveu um tratado sobre o amor, criou a teoria da "cristalização", foi traído várias vezes e preocupou-se com as vacilações da virilidade, a ponto de seu herói em Armance ter características do impotente. Era gordo, baixo, com escasso sex-appeal e, como Napoleão, devia ter pênis mínimo (mas isso é secundário, afirmam os demais mínimos). Foi mentiroso no que tocava a sua vida particular e traidor pronto a seduzir a mulher do melhor amigo. Ainda assim permanece adorável e mesmo a rigorosa Simone de Beauvoir, que criticou o machismo de Tolstoi e descreveu sem lamúrias o crepúsculo do companheiro Sartre, reserva para ele palavras ternas e conceito de pioneirismo feminista no Segundo sexo."

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"Explico-me: tenho sido na vida um espectador, além de perdedor. Ver filme ou teatro é obviamente ser espectador, ler livro e jornal é isso, assistir à televisão. Na minha função de revisor, tornei a "espectação" um ofício, atuando sobre textos alheios com o punhado tacanho de recursos que me são concedidos, vírgulas, concordâncias, aspas, itálicos. Cometi um texto meu, uma peça, mas sua aceitação em círculos de outros autores foi a que se pode esperar: eu escuto o que você fez, você escuta o que eu fiz, rio da sua, ria da minha. Nessa troca de boas vontades, minha peça foi elogiada e deixou-me orgulhoso. Inscrevi-a num concurso público, nada feito; inscrevi-a em dúzias de outros, ganhou menção honrosa de uma secretaria de Cultura do Nordeste. Ser do Nordeste não é pouco, pouco é ser menção honrosa."

(Do livro Crime improvável, publicado pela Ficções.)

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