segunda-feira, 22 de abril de 2013
Cada dia...
... o leva para mais longe da tarde em que ele foi feliz pela última vez. Já não se lembra dela com a perfeição que desejaria e imagina com desgosto quanto de ficção se junta à recordação sempre que ele a traz de volta. Foi num café? Foi num restaurante? Ora ele pensa que foi num, ora que foi no outro, ora ele pensa que foi num e no outro, nos dois, mas parece-lhe felicidade demais. Talvez tenha havido um deslocamento, é possível. Foi para aquela tarde com um amor tão sonso no coração que já no dia tudo lhe pareceu irreal depois que passou. E, agora, com o tempo que lançou tanta areia sobre aquilo tudo (aquilo tudo o quê?), ele procura reconstituir detalhes e pensa ter a certeza de que uma mulher, na mesa do café ou do restaurante, esboçava desenhos e lhe mostrava no pulso uma marca qualquer. Não se lembra de nenhuma das palavras trocadas. Às vezes pensa ter resgatado um "oi, como vai?", mas logo o substitui por um "oi, tudo bem?" e não consegue decidir-se por nenhum deles. Sabe, isso com certeza, que não disse a palavra "amor", e que esse foi o erro todo. Tinha o amor nos olhos, tinha o amor na pele, nas vísceras, em todo o corpo, na alma e no coração, mas não o pronunciou. A cena foi cortada, o filme se perdeu e uma porção de tardes se amontoou sobre a única em que se sentiu vivo.
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