segunda-feira, 20 de maio de 2013
Priscylla (8)
Quando, no segundo encontro, Priscylla fez referência ao amigo com quem iria almoçar, e o ciúme me deu uma aguilhoada, lembrei que, logo depois do primeiro encontro, ela, uma noite, estranhamente, me sugerira pelo msn que eu a proibisse de ir a uma festa. Eu lhe disse que não achava razoável proibi-la, até porque não havia em nosso recente convívio nada que me autorizasse a agir assim. Ela me deu então a autorização e insistiu para que eu a usasse. Não a usei. Não sei, até hoje, se com aquilo ela me declarava afeto ou, referindo-se à festa, me incitava ao ciúme. Não senti ciúme, nessa ocasião, mas viria, daí em diante, a ser atormentado pela suspeita de que agradava a Priscylla ver-me enciumado. Seja como for, acho que é bem hora de sair deste caminho a que fui levado pelo ciúme em sua forma juvenil e de analisar esse sentimento com os olhos de minha idade - ou aquela que eu tinha na época, e era, se posso dizer assim, basicamente a mesma de hoje. Setenta e um, ou setenta e quatro anos, ou setenta e seis, são formas quase iguais de definir a velhice, embora Priscylla na época me dissesse que idade era algo que não se deveria considerar quando se tratava de afeto. O que sei é que a referência ao amigo, que a fazia sair do café que tomava comigo e (ai, de cabelo úmido!) ir correndo para almoçar com ele, me fez pensar, com uma intensa pontada de despeito, se não havia no meu sentimento por ela algo mais físico do que eu imaginava. Logo essa suposição foi substituída por outra, que me perturbou ainda mais. Talvez o que eu não tolerasse fosse a hipótese de outro ver em Priscylla a beleza espiritual, quase mística, que me encantava. Obriguei-me a aprimorar essa imagem dela que tinha em mim, e me prometi que dali em diante não me descuidaria sequer um momento disso que, mesmo com o prazer que eu adivinhava, passei a chamar de tarefa. E vieram os poemas, inspirados nela mas incapazes de lhe fazer justiça. Por Priscylla eu me liguei outra vez à poesia, mas a poesia, que me conhecera na adolescência, fingia agora não lembrar-se de mim. Tive pesadelos horríveis, em que poetas se curvavam diante de Priscylla e declamavam sonetos de perfeito lavor - petrarquianos, camonianos, shakespearianos. Um deles rimava Priscylla com ancila, e repugnou-me não tanto a rima quanto o conceito. Ancila? Justamente Priscylla, de quem, por ver nela a perfeita representação da beleza, eu já ia me tornando feliz vassalo e ansioso serviçal?
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