quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Só um gato

Eram nove da manhã e Juca estava fazendo lição quando tudo começou. Primeiro ele ouviu uma brecada forte e, logo em seguida, uma buzinada. Depois, uma sequência de outras brecadas e buzinadas e, finalmente, um monte de palavrões. Quando, curioso, abriu a janela da sala, viu uma fileira de carros parados e os motoristas, furiosos, olhando na direção dele:
   - Desgraçado! - gritou o homem do carro grande.
   - Maldito! - berrou a mulher do carro pequeno.
   - Bicho do diabo! - exclamou o motorista do caminhão.
   Assustado, Juca fechou rapidamente a janela. Não entendia o que tinha acontecido: por que toda aquela gente lá fora estava tão zangada com ele? Procurava uma explicação para aquilo quando ouviu o ruído na porta. Parecia alguém passando uma lixa na madeira.
   Já pensando em ladrão - estava sozinho em casa -, ia correr para o telefone e chamar a polícia. Aí começou a ouvir os miados. Ainda um pouco desconfiado, abriu a porta. Diante dele, pedindo para entrar, estava a causa de toda a confusão: era mesmo um gato.
   Desde esse dia, Juca nunca se separou do bichinho. Quem ia chamá-lo para brincar se decepcionava. Ele só saía para ir à escola. Passava o resto do dia em casa. E os amigos não compreendiam sua devoção ao animal. Admiravam a beleza faiscante dos olhos amarelos, a maciez do pelo preto e branco, a dignidade do bigode longo. Tudo isso era agradável de se ver, reconheciam eles, mas não alterava um fato. Bonito ou feio, ele era o que era: só um gato.
   Durante algum tempo o gato morou na casa do menino. E talvez estivesse lá até hoje, se não fosse uma janela deixada aberta numa noite de verão. Por ela escapou o bicho, com os olhos acesos de curiosidade. Pulou muros, exercitou as unhas em sacos de lixo, perseguiu camundongos. Quase de manhã, cansado, resolveu voltar. Teve dificuldade para localizar a rua e, quando achou a casa, estranhou que a janela não estivesse mais aberta.
   Começou, então, a arranhar a porta, como no primeiro dia. No sobradinho, quase igual ao da família de Juca, só que uma rua acima, morava um homem apavorado com notícias de crimes e assaltos. Quando ouviu o barulho na porta, pegou o revólver e, abrindo devagar a janela, atirou lá de cima: esse ladrão vai ver o que é bom. Ao descer, teve uma decepção: perdi meu sono, meu tempo e minha bala por isto?
   Pegou pela cauda o bicho de pelo e o jogou para o meio da rua. Era só um gato.

(Do livro de crônicas Pais, filhos e outros bichos, publicado pela Lazuli Editora e pela Companhia Editora Nacional.)
  

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