sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Retrato

Faltou-me sempre coragem. De ousadias nunca cheguei nem perto. Os meninos, no colégio, pegavam o livro e punham bigodes e barbas em personagens históricos ou os ornavam com belos e pontiagudíssimos chifres. Já nessa época eu me abstinha. Impressionavam-me palavras como pecado e profanação. No fim do ano, os que eram aprovados jogavam os cadernos para o alto e os chutavam pela rua, como se castigassem cães vadios. Os meus devem estar intactos por aí, ainda, numa gaveta. Não mudei e, se o fiz, foi para pior. A poesia me inoculou seu vírus e, já adulto, eu insistia em ver em cada esquina musas intocáveis, que meus amigos no entanto apalpavam com quantas mãos tivessem, no banco de trás ou no assento da frente. Eu me recusava a acreditar nos relatos. Fui privado daquilo tudo que na verdade não havia e tenho hoje o rosto que mereço: o de um tolo que, para ser completo, precisa apenas caprichar um pouco mais quando baba.

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