"Vou catar um café, turco e forte e caro, no bar dos marroquinos, que engulo aos poucos e é uma refeição, pão, queijo, salpicão ou algum arenque admirável, cru e fresco, que a época é de safra nova. Saboreio, olhos espetados na rua de mulheres. Aqui, rua das dominicanas, as mais desbocadas do bairro, já na manhã se expondo à batalha da vida, sentadas, provocando, em tangas. Negras mestiças, mulatas na maioria, no chamamento rente e direto. Aos homens:
- Venha, que vou te tirar o leite com a boca.
Mercadejando, completas, a preço módico. Uma tabela que sobe, se muito, aos trinta e cinco florins. Fora desta ruela, o michê quase dobra. Lá nas vitrines melhores, de ceilandesas, alemãs, holandesas; grinfas da França, da Bélgica, das Filipinas, um mulherio chegado de muitos lados mais a mulataria bonita de ver, sestrosa, ingênua só na aparência do olhar lá de Tobago, Aruba, Tortuga, Trinidad, Curaçao... a marca menor é nos cinquenta florins. E quando a cortina se fecha, o freguês dentro, é aí.
Elas jogam a manha, seduzem e rapam grana maior. São minas de traquejo, das que navegaram mares. Habilidade tanta e vida se escondem detrás das vitrinas, tanto, que um artista de cabaré, classudo, que tempera com humor e é popular, vive de e para a crônica da marafonaria. E é querido. Que corpos estrategicamente nus ou semi, insinuação fina, colocando-se à poltrona em frente à rua, alguns em apenas sutiãs e sem calcinha. Homens perambulam, farejam, disfarçam, escolhem, tímidos, perplexos, atrevidos, carecas, gordos, basbaques, guapos. E há, então, um clima mudo. Um quê coletivo e convencionado no bairro das lanternas vermelhas. Vamos à sacanagem.
Afinal, toma meus suspiros e minha falta de ar, toma os frios do meu corpo, me agasalha no vórtice de tuas pernas e satisfaze meu tesão, és Amsterdam. E me ama, muito, qu'eu preciso."
(Do conto "Amsterdam ai", do livro Abraçado ao meu rancor, publicado pela Editora Guanabara.)
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