"Foi num café de Retiro que você veio me pedir umas moedas e eu perguntei se queria sentar-se. Você era um dos tantos que mendigam sua inocência como anjos excluídos de algum céu perverso e estranho. Claro que você não me conhecia, e me reconfortou compartilhar o encontro. Pois você, com sua pouca idade, tinha o olhar envelhecido por essas atrocidades que, em breve tempo, realizam no corpo e na alma a devastação dos anos.
Sempre que voltei a esse café, procurei por você no desejo de cumprimentá-lo. Você já não estava, mas descubro-o em outras crianças, quando, à noite, ao voltar para casa, eu os vejo remexer entre o lixo, enfiando na imundície suas pequenas mãos, destinadas aos balanços e aos carrosséis. E então, não sei por quê, penso em Rimbaud. Talvez porque também ele pertencia à raça dos que cantam no suplício. Rimbaud, que nas ruas de Paris alimentava-se com o pão velho que tirava do lixo, e que à noite dormia encolhido sob as marquises. Recordei suas palavras: 'A verdadeira vida está ausente.'"
(De Antes do fim, tradução de Sérgio Molina, publicado pela Companhia das Letras.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário