"Um dia depois que você saiu fez um frio ártico. Ainda era outono, ou pelo menos achava que era, mas seu silêncio anunciou que o sol tardaria a voltar. Nem a morte costuma me moer tanto. De certa maneira ela é esperada, está no registro do inevitável. A perda, na desistência, no fracasso. Deixei-o se perder de mim. Falhei. Não contei todos os meus sonhos com você. Menti estar pronta para sair a qualquer momento. Imaginei que aquela sua maneira de me olhar, como quem me joga uma manta num sábado chuvoso, amoleceria também seus passos e, então, torci fingidamente para que se encontrasse em outros abraços. Disse vá, só para vê-lo ficar. Só para sentir seus olhos mais e mais envoltos em mim. Mascarei meu ciúme, o prazer que teria em ver no chão as mulheres que minha imaginação (ou não) lhe emprestou. Desfilei como iceberg e agora não sei onde esconder as lágrimas mornas que arranham meu rosto azul."
(Do conto "Inverno", extraído do livro Aqueronte - O rio dos infortúnios, publicado pela Letras do Brasil.)
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