"Sri Lanka, quem sabe?, ela me diz, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? uma certa saudade: em Sri Lanka, brincando de Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse aqui entre nós, palmeiras e abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do disco de Angela enquanto fuma sem e bebe sem parar sua vodca nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz rouca, fico aqui comparecendo a atos públicos, entre uma e outra carreira, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apoia vossos fatigados pés descalços ao fim de mais uma semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados."
(Conto do livro Morangos mofados, publicado pelo Círculo do Livro.)
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