"Ainda ontem, em meus olhos o teu olhar,
E hoje - me olhas de lado!
Ainda ontem, até o pássaro cantar, -
E hoje são corvos as cotovias!
Nada sei e tu, cheio de saberes,
És vivo, e eu pasmada,
Oh clamor eterno das mulheres:
'Querido, o que foi que eu fiz!?'
Para ela as lágrimas são sangue -
Água em sangue, nas lágrimas se banha!
Não é mãe o Amor - e sim madrasta:
Não esperem justiça, nem barganha.
Os barcos levam os amados,
Afasta-os o branco caminho...
E fica o lamento sozinho:
'Querido, o que foi que eu fiz?'
Ainda ontem, estava ajoelhado!
Me igualava ao império da China!
De repente, as mãos escancaradas,
Vai-se a vida - e resta uma moedinha!
Julgada por infanticídio
Estou - sem coragem, sem carinho.
É do inferno que eu me aproximo:
'Querido, o que foi que eu fiz?'
Pergunto à mesa, pergunto ao leito:
'Para que eu me aguento e me desgraço?'
'Cada beijo - um suplício:
Beijará outra', - respondem.
No fogo da vida me criaste,
Na estepe gelada me atiraste!
Eis o que tu, amado me fizeste!
Querido, o que foi que eu fiz?
Eu sei de tudo - não me contradigas!
De novo vidente - já não ardente amiga!
Onde o Amor se retira,
Chega a Morte-jardineira.
É o mesmo que sacudir a macieira!
A fruta madura cai na hora boa...
'Por tudo, por tudo me perdoa,
Querido, - o que foi que eu fiz!'"
(De Indícios flutuantes, tradução de Aurora Fornoni Bernardini, publicado pela Martins Fontes.)
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