domingo, 1 de junho de 2014
O sol no sofá
É o terceiro dia da empregada. É mais nova que as duas anteriores. Deve ter cinquenta. Sentado no sofá, de onde dificilmente sai, porque as dores de coluna o atormentam, ele vê que ela é como sua mulher disse: ordeira. Na véspera e na antevéspera, também começou pela cozinha e é agora - quando a mulher saiu com a filha, como toda tarde - que ela vem arrumar a sala. Assim como ontem e anteontem, ela tira o pó daqui, mexe ali, acolá e, depois de um suspiro de cansaço, vem e senta-se ao lado dele, que vê tevê. No primeiro dia ele quase não sentiu o contato dela. No segundo, ela se encostou mais. Hoje, no primeiro momento ele pensou que ela fosse sentar-se no seu colo. Parece que estão num daqueles bancos apertados de ônibus. Ela fala com ele carinhosamente, como a filha fala, e, com uma voz que tenta imitar a dela, pergunta se ele está bem, se tomou os remédios. Suando de culpa antecipada, ele tenta lembrar aquela palavra, como é mesmo? Incesto. No primeiro dia ela perguntou sua idade e ele confessou, com tristeza: setenta e cinco. Ontem ela disse que tinha esquecido, perguntou de novo, e ele roubou na conta: setenta e um. Se ela perguntar hoje também, o que ele vai dizer? Isso ele ainda não sabe. Sabe que fazia muito tempo que não sentia esta quentura inquieta na coxa, e também um pouco acima, onde ela mexe agora com a mão vagarosa, lerda, preguiçosa, como se não tivesse nada mais para fazer na casa, como se não precisasse ainda lavar a frente e regar o jardim. Talvez o que ele está sentindo já seja o máximo. Vai descobrir isso logo, porque a mão se movimenta mais rapidamente e tenta abrir um botão da sua calça. Ele fecha os olhos e espera. Recorda-se de uma frase. Não tem nada a perder. Onde ela está sentada ficará pelo menos, como ontem e anteontem, o calor que depois ele apalpará com a mão reverente, como se ali tivesse estado o sol com sua bunda majestosa.
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