sábado, 9 de agosto de 2014

"Prefácio", poema de Czeslaw Milosz

"Tu a quem não pude salvar
Escuta-me.
Tenta compreender
este simples discurso porque tenho
vergonha de outro.
Juro que em mim não existem as magias do verbo.
Te falo em silêncio como nuvem ou árvore.

O que me fazia forte, para ti foi letal.
Confundiste o adeus a uma época com o começo de outra,
A inspiração do rancor com a beleza lírica,
A força bruta com a forma perfeita.

Eis o vale dos rasos rios polacos. E uma ponte imensa
Furando a neblina branca. Eis a cidade quebrada,
E o vento arrasta o pio das gaivotas sobre o teu sepulcro
Quando eu estou falando contigo.

Que é a poesia que não salva
Nem as nações nem a gente?
Uma trama de mentiras oficiais,
Uma canção de bêbados cujas gargantas podiam ser
cortadas de repente.
Uma leitura para meninas de colégio.

Que eu quisesse a boa poesia sem poder fazê-la,
Que eu tardiamente entendesse o seu fim redentor,
Isto e só isto é salvação.

Jogavam-se nas tumbas sementes de painço e papoula
Para nutrir os mortos que chegavam voando - pássaros.
Aqui deponho este livro para ti, ó antepassado,
Para que não voltes mais a visitar-nos."

(Do livro Quatro poetas poloneses, prefácio de Henryk Siewierski e José Santiago Naud, publicado pelo Governo do Paraná, com apoio do Consulado Geral da República da Polônia e pelo Ministério da Cultura da República da Polônia, 1994.)

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