"Em vez da volta das lembranças
na hora de morrer
quero ter de volta
as coisas perdidas.
Pela porta, janela, malas,
sombrinhas, luvas, casaco,
para que eu possa dizer:
para que tudo isso.
Alfinetes, este e aquele pente,
rosa de papel, barbante, faca,
para que eu possa dizer:
Nada disto me faz falta.
Esteja onde estiver, chave,
tente chegar a tempo,
para que eu possa dizer:
Ferrugem, minha cara, ferrugem.
Caia uma nuvem de atestados,
licenças, enquetes,
para que eu possa dizer:
Que lindo o sol se pondo.
Relógio, aflore do rio
e permita que te segure na mão,
para que eu possa dizer:
Você finge ser a hora.
Vai aparecer também um balãozinho
levado pelo vento,
para que eu possa dizer:
Aqui não há crianças.
Voe pela janela aberta,
voe para o vasto mundo,
que alguém grite: Ó!
para que eu possa chorar."
(De Um amor feliz, tradução de Regina Przybycien, edição da Companhia das Letras.)
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