segunda-feira, 3 de junho de 2019
A hora
É hora de recolher a Bic, o bloco, de dizer boa noite e chamar o sono. Talvez ele chegue logo hoje, embora nessas coisas de chamar eu seja nulo. Ninguém como os poetas antigos, os de verdade. Eles invocavam, clamavam, bradavam, e tanto lhes obedeciam as nuvens claras como cordeiros quanto as carrancudas, de tempestade. Houve poetas outrora. Valia a pena ler seus poemas. Os poetas atuais receiam expor sentimentos e, usando uma frase que anda em voga, quase se precisa suplicar que saiam do armário. Que saiam de cueca e gravata, ou de sunga e colares. Que saiam nus, pelados, despidos, mas que saiam e não tenham medo de dizer "Eu amo João" ou "Eu adoro Joana". Imagino que seriam mais lidos do que agora, que entoam louvores às pedras, ao cimento e ao sangue gelado das metrópoles. O amor se tornou um assunto vergonhoso para o poeta moderno. Será mais fácil que qualquer um deles se mate por uma dívida de condomínio do que por um encontro recusado. Tão científicos, os poetas de hoje. Endureceram-se e perderam a ternura. Lançam de três em três anos uma coletânea de textos mirrados como as desfalecentes modelos da SP Fashion Week. Poetas sem colesterol, enxutos. Qual deles fará um poema para o menino boliviano morto? Os poetas de agora são globais, mas a Bolívia, tenham paciência... Se morrerem meninos em Nova York, quem sabe.
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