As grandes tristezas, as verdadeiras, não arrefecem, não se atenuam, não se extinguem. Quem julga o tempo capaz de remediá-las não demonstra nada além de uma lastimável fraqueza de caráter.
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
O ardil
Desgostoso com o mundo e com a vida, decidiu fingir-se de morto. Obstinou-se nessa tarefa por meses adentro e anos afora, até que um dia não foi mais preciso.
domingo, 29 de setembro de 2024
Conhecidos
Se eu me lembro do sol? Claro que sim. Não chegamos a ser amigos, coisa assim. Só conhecidos. Faz tempo. Mas o que tem o sol? Não me diga que ele morreu. Muita gente ia ficar triste.
Hoje na revista Rubem
https://rubem.wordpress.com/2024/09/29/o-que-nao-se-deve-pedir-ao-amor-raul-drewnick/
sábado, 28 de setembro de 2024
Sinais de vida
Você está vivo, quem há de duvidar? Não é você o velho que gasta os dias tropeçando pela casa, para tapar qualquer fresta por onde o mundo e o sol possam entrar?
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
Perfil
Independentemente de alguma pequena virtude ou de algum indesculpável defeito que possam me atribuir, sou só o que sou: um macróbio.
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Uns e outros
Há os que dizem da vida o que ela é. E há os puxa-sacos, que a adulam para ver ela lhes abre as pernas.
Como ela é
A vida não merece perdão. Nem eufemismo nem lambdacismo. Não é uma melda, é uma merda mesmo.
Jurisprudência
Se alguém, onde quer que seja, sacar um soneto, aja com presteza. Invoque a Lei do Talião. Saque outro soneto, em legítima defesa.
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Maria Josefa
O tempo não me trouxe o alívio suplicado
E ainda hoje, minha pobre amada, me arrepio
E me pergunto, triste, amargo, irresignado,
Se tu tiveste medo, se sentiste frio.
Viagem
Se o amor for o timoneiro,
Não tema a fúria do mar.
Ignore o mapa, o roteiro,
Será doce naufragar.
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Fora de época
Venho reforçando, nestes meus últimos dias, a impressão de que nasci numa época errada. Disso advém todo o meu insucesso. Mau maior talento, esta tristeza que me canso de gabar, é um artigo de que o mundo parece não estar necessitando nem um pouco. Não preciso sair de casa para encontrá-la. Sentado no sofá, basta-me ligar a tevê para que comecem a jorrar na sala as lágrimas dos ultrajados, a baba rancorosa dos ressentidos, o inesgotável sangue dos inocentes.
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Filantropo
Alguns me acham impiedoso,
Porém não sou tanto assim.
Às vezes sou generoso,
Sinto pena até de mim.
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
Agenda
Meu jovem, se a intenção é plagiar, tenho dois conselhos: 1) comece logo por Shakespeare; 2) depois é só continuar.
sábado, 14 de setembro de 2024
Jaculatória
Que nós, para terminar,
Façamos por merecer
A paz que há em definhar,
O prazer que há em jazer.
Trajetória
Que fase pífia, esta minha.
Eu, que escrevi sonetões
E percorri quarteirões,
Empaco numa quadrinha.
Comunicado
Escutem-me, por favor,
Me deixem esclarecer:
Se o assunto não for o amor,
Não tenho nada a dizer.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
Tarefa
Enquanto não morres, cabe-te ainda abrir as janelas toda manhã e aderir às jubilosas exclamações dos vizinhos: que belo dia.
sábado, 7 de setembro de 2024
Definição
Com Borges vim a aprender
Da morte o exato sentido.
Morrer é simples, morrer
É apenas haver vivido.
terça-feira, 3 de setembro de 2024
De como lidar com a filosofia
Ontem à tarde, sentado na poltrona, com os olhos quase fechados de sono, tive um momento de inquietude, um desassossego que rapidamente ameaçou enredar-me numa antiga questão filosófica: o sentido da vida. Seja qual for, parece-me que dificilmente se chegará a ele pelo caminho da inércia. Sentindo-me culpado, abafei um bocejo e instiguei-me a enfrentar mais uma vez o problema de saber o significado da existência humana. Refleti, analisei, ponderei e chegando, como em tantas outras ocasiões, a conclusão nenhuma, pedi ajuda à psicologia e, para não me julgar totalmente derrotado, marquei minha posição com um lance ousado: saí da poltrona e fui sentar-me no sofá. Se tivesse à mão o chocolate que Fernando Pessoa recomendou à menina, eu o comeria com muito gosto.
Conforto
Ninguém mais hoje vem me visitar.
Ninguém mais sabe onde é que agora eu moro,
Ninguém mais sabe do que eu rio ou choro,
Estou tão morto quanto quero estar.
domingo, 1 de setembro de 2024
Hoje na revista Rubem
https://rubem.wordpress.com/2024/09/01/o-inigualavel-ouro-da-juventude-raul-drewnick/