O tempo não me trouxe o alívio suplicado
E ainda hoje, minha pobre amada, me arrepio
E me pergunto, triste, amargo, irresignado,
Se tu tiveste medo, se sentiste frio.
O tempo não me trouxe o alívio suplicado
E ainda hoje, minha pobre amada, me arrepio
E me pergunto, triste, amargo, irresignado,
Se tu tiveste medo, se sentiste frio.
Se o amor for o timoneiro,
Não tema a fúria do mar.
Ignore o mapa, o roteiro,
Será doce naufragar.
Podíamos ter podido
E até, quem sabe, ganhar.
Podíamos ter vivido,
Mas viver era lutar.
Venho reforçando, nestes meus últimos dias, a impressão de que nasci numa época errada. Disso advém todo o meu insucesso. Mau maior talento, esta tristeza que me canso de gabar, é um artigo de que o mundo parece não estar necessitando nem um pouco. Não preciso sair de casa para encontrá-la. Sentado no sofá, basta-me ligar a tevê para que comecem a jorrar na sala as lágrimas dos ultrajados, a baba rancorosa dos ressentidos, o inesgotável sangue dos inocentes.
Alguns me acham impiedoso,
Porém não sou tanto assim.
Às vezes sou generoso,
Sinto pena até de mim.
Meu jovem, se a intenção é plagiar, tenho dois conselhos: 1) comece logo por Shakespeare; 2) depois é só continuar.
https://rubem.wordpress.com/2024/09/16/sobre-o-que-e-a-esperanca-raul-drewnick/
Que nós, para terminar,
Façamos por merecer
A paz que há em definhar,
O prazer que há em jazer.
Que fase pífia, esta minha.
Eu, que escrevi sonetões
E percorri quarteirões,
Empaco numa quadrinha.
Escutem-me, por favor,
Me deixem esclarecer:
Se o assunto não for o amor,
Não tenho nada a dizer.
Enquanto não morres, cabe-te ainda abrir as janelas toda manhã e aderir às jubilosas exclamações dos vizinhos: que belo dia.
Com Borges vim a aprender
Da morte o exato sentido.
Morrer é simples, morrer
É apenas haver vivido.
Ontem à tarde, sentado na poltrona, com os olhos quase fechados de sono, tive um momento de inquietude, um desassossego que rapidamente ameaçou enredar-me numa antiga questão filosófica: o sentido da vida. Seja qual for, parece-me que dificilmente se chegará a ele pelo caminho da inércia. Sentindo-me culpado, abafei um bocejo e instiguei-me a enfrentar mais uma vez o problema de saber o significado da existência humana. Refleti, analisei, ponderei e chegando, como em tantas outras ocasiões, a conclusão nenhuma, pedi ajuda à psicologia e, para não me julgar totalmente derrotado, marquei minha posição com um lance ousado: saí da poltrona e fui sentar-me no sofá. Se tivesse à mão o chocolate que Fernando Pessoa recomendou à menina, eu o comeria com muito gosto.
Ninguém mais hoje vem me visitar.
Ninguém mais sabe onde é que agora eu moro,
Ninguém mais sabe do que eu rio ou choro,
Estou tão morto quanto quero estar.
https://rubem.wordpress.com/2024/09/01/o-inigualavel-ouro-da-juventude-raul-drewnick/