sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Maria Josefa

O tempo não me trouxe o alívio suplicado

E ainda hoje, minha pobre amada, me arrepio

E me pergunto, triste, amargo, irresignado,

Se tu tiveste medo, se sentiste frio.


Viagem

Se o amor for o timoneiro,

Não tema a fúria do mar.

Ignore o mapa, o roteiro,

Será doce naufragar. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Hipótese

 Podíamos ter podido

E até, quem sabe, ganhar.

Podíamos ter vivido,

Mas viver era lutar.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Fora de época

Venho reforçando, nestes meus últimos dias, a impressão de que nasci numa época errada. Disso advém todo o meu insucesso. Mau maior talento, esta tristeza que me canso de gabar, é um artigo de que o mundo parece não estar necessitando nem um pouco. Não preciso sair de casa para encontrá-la. Sentado no sofá, basta-me ligar a tevê para que comecem a jorrar na sala as lágrimas dos ultrajados, a baba rancorosa dos ressentidos, o inesgotável sangue dos inocentes.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Filantropo

Alguns me acham impiedoso,

Porém não sou tanto assim. 

Às vezes sou generoso,

Sinto pena até de mim.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Agenda

 Meu jovem, se a intenção é plagiar, tenho dois conselhos: 1) comece logo por Shakespeare; 2) depois é só continuar.

Na revista Rubem

https://rubem.wordpress.com/2024/09/16/sobre-o-que-e-a-esperanca-raul-drewnick/ 

sábado, 14 de setembro de 2024

Jaculatória

Que nós, para terminar,

Façamos por merecer

A paz que há em definhar,

O prazer que há em jazer. 

Trajetória

Que fase pífia, esta minha.

Eu, que escrevi sonetões

E percorri quarteirões,

Empaco numa quadrinha.

Comunicado

Escutem-me, por favor,

Me deixem esclarecer:

Se o assunto não for o amor,

Não tenho nada a dizer.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Tarefa

Enquanto não morres, cabe-te ainda abrir as janelas toda manhã e aderir às jubilosas exclamações dos vizinhos: que belo dia.

sábado, 7 de setembro de 2024

Definição

Com Borges vim a aprender

Da morte o exato sentido.

Morrer é simples, morrer

É apenas haver vivido. 

terça-feira, 3 de setembro de 2024

De como lidar com a filosofia

Ontem à tarde, sentado na poltrona, com os olhos quase fechados de sono, tive um momento de inquietude, um desassossego que rapidamente ameaçou enredar-me numa antiga questão filosófica: o sentido da vida. Seja qual for, parece-me que dificilmente se chegará a ele pelo caminho da inércia. Sentindo-me culpado, abafei um bocejo e instiguei-me a enfrentar mais uma vez o problema de saber o significado da existência humana. Refleti, analisei, ponderei e chegando, como em tantas outras ocasiões, a conclusão nenhuma, pedi ajuda à psicologia e, para não me julgar totalmente derrotado, marquei minha posição com um lance ousado: saí da poltrona e fui sentar-me no sofá. Se tivesse à mão o chocolate que Fernando Pessoa recomendou à menina, eu o comeria com muito gosto.

Conforto

Ninguém mais hoje vem me visitar.

Ninguém mais sabe onde é que agora eu moro,

Ninguém mais sabe do que eu rio ou choro,

Estou tão morto quanto quero estar.



domingo, 1 de setembro de 2024

Hoje na revista Rubem

 https://rubem.wordpress.com/2024/09/01/o-inigualavel-ouro-da-juventude-raul-drewnick/