quinta-feira, 22 de abril de 2010
Pequenas alegrias urbanas (43) -- A obra-prima
Por muitos anos o escritor famoso receou que seu vizinho, também escritor, concluísse o romance no qual trabalhava pelo menos oito horas por dia. Quando se anunciava algum concurso, o escritor famoso ficava em terrível desassossego, mas sempre o outro escritor alegava algum motivo para não concorrer: precisava dar uns retoques, reescrever um capítulo ou -- esta era a desculpa mais frequente -- encontrar um pseudônimo que não parecesse nem vulgar nem pretensioso. Foram vinte anos de angústia para o escritor famoso, que nesse tempo ganhou vários prêmios em concursos e viu aumentar sua glória. No dia em que o escritor vizinho morreu, o escritor célebre ainda temeu que o presumível rival tivesse deixado aos cuidados da família uma obra-prima que representasse toda uma geração e a obscurecesse com seu brilho. Só se aquietou quando a viúva do vizinho lhe disse que, na realidade, o defunto nem escrevia e nem era muito dado a ler, especialmente romances.
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