"Oi, estou ligando por uma coisa."
"Oi. É a Lucinha?", ele perguntou, embora soubesse muito bem quem era.
"Puxa, que bom que você ainda se lembra de mim. Já faz tanto tempo, Marcos. Três meses."
"É. Tudo bem com você?"
"O que você acha?"
"Não sei. Espero que você..."
"Que eu esteja ótima, é isso?"
"Isso."
"Foi por isso que você não ligou todos esses meses, não foi? Porque sabia que eu estava ótima."
"Bom, você também não ligou."
"E as mensagens? Pelo menos uma por dia. Você respondeu?"
"Eu andei com problemas no micro."
"Ah, foi o que eu pensei."
"Você disse que estava ligando por que mesmo?"
"Para ver se você estava bem. Já vi que está. Que bom. E por outra coisa também."
"Pode falar, Lucinha."
"É chato eu dizer isto três meses depois, mas é que você ficou com uma coisa minha que está me fazendo muita falta."
"Coisa? O que é? Algum cedê?"
"Não. Uma coisa um pouco mais importante."
"Se você me disser o que é, eu... Olhe, foi bom você falar nisso, porque eu notei a falta daquele meu cortador de unha. Por acaso está aí com você?"
"Não vi, não, Marcos. Mas, se achar, eu aviso."
"Bom, o que você queria, mesmo? Pode falar. Se encontrar, eu devolvo."
"Ah, não é nada, não. Deixa. Até esqueci o que era."
"Se você lembrar, pode ligar de novo, que eu procuro, está bom assim?"
"Está."
"Tchau, então, Lucinha. Preciso ver uma coisa aqui."
Ele desligou o telefone, Lucinha desligou também. Mas, como se Marcos estivesse ali, diante dela, na sala, deixou que os dois filetes de lágrimas descessem maciamente até a sua boca e, abrindo-a, disse alto, quase gritando:
"O que eu quero é a alma, a minha alma, que um dia eu deixei aí. Mas você jamais a acharia, Marcos, porque você não sabe o que é alma, e nunca saberá."
Embora continuasse chorando, e agora mais forte, sentia-se quase feliz, por gozar uma espécie de superioridade que, se fosse definir, chamaria de moral, e por desfrutar sozinha esse momento que, se compartilhado, pareceria um mero ato de vingança.
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