sexta-feira, 25 de junho de 2010
Lírica (121) - As frases
Aprendeu as palavras que nomeavam todas as coisas do mundo, todas as sensações, todos os alvoroços do coração e da alma. Para melhor pintá-las em seus infindáveis matizes e intensidades, para vê-las em sua inteira verdade, aprendeu também os adjetivos e obstinou-se em procurar a exata maneira de juntá-los a cada uma das palavras, para completá-las. E, sabendo que os verbos é que insuflavam vida a todas as palavras, empreendeu a alquimia de fazê-los ir de uma a outra, e a todas, para que revelassem o que cada uma delas havia vindo fazer na Terra. Nesse trabalho de descobrir a significação do mundo, foi registrando todas as combinações em cadernos que acabaram tomando de alto a baixo toda a sua casa e que, um dia, num incêndio ateado por ele, se extinguiram sem deixar nada além de cinzas. Ele ardeu com suas palavras, e lamentou-se que, depois de tanto labor, houvesse sido negado aos homens o fruto de sua pesquisa, na qual haviam sido consumidos quase cinquenta anos. Numa única folha, salva pela vontade ou por descuido do homem, ou mais certamente pela intromissão do vento, foram encontradas duas frases, uma em cada linha. Uma era "A vida é", a outra era "O amor é". Não haver nenhum adjetivo em nenhuma das frases foi entendido de maneira oposta por dois grupos de intérpretes. Os primeiros lastimaram a falta de um, que possivelmente tornaria perfeita tanto uma quanto a outra frase. Aos segundos parecia legítima a hipótese segundo a qual a pureza das duas frases seria maculada por qualquer adjetivo, fosse qual fosse.
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