sexta-feira, 30 de julho de 2010
Lírica (298) - Estrela
Sabia que ele estaria pensando nela naquele instante. Fazia uma hora que, na sacada do apartamento, tendo como testemunha a única estrela que a noite nevoenta deixava ver, pensava nele com uma saudade dilacerante e tão aguda que só não chegaria a ele se a morte o houvesse levado. Concentrou-se tão fortemente nisso, em ensinar a saudade a encontrar nos caminhos noturnos a casa e o coração do bem-amado, que seus olhos, estilhaçados de lágrimas, estilhaçaram também a estrela. Foi então que o toque do telefone a avisou de que dera certo o sortilégio. Correu para atendê-lo, mas não havia ninguém na linha. Tinha sido o telefone do vizinho, talvez até o toque de um telefone no filme que o vizinho, insone como ela, via. Voltou para a sacada e bastou-lhe um momento para notar que a estrela não estava mais lá. Procurou concentrar-se de novo, com mais empenho ainda. Precisava contar ao amado que pensara nele com tanta paixão e febre que havia matado uma estrela.
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