terça-feira, 28 de setembro de 2010
Situações (33) - A mulher
O homem completou sua caminhada pelo parque. Havia no ar um perfume único, quente, que ele só costumava sentir em raras noites do final da primavera e que tinha algo de aliciador, de malignamente salino, embora o mar estivesse pelo menos sessenta quilômetros distante. Quase chegando ao seu quarteirão, viu parar diante de um prédio um carro. Dele desceu uma loira majestosa, de cabelos longos e vestido também longo e preto. Enquanto ela entrava pela portaria, ele notou que o perfume da noite se tornara mais cálido, quase mormacento. Olhou para o homem, um cinquentão já, que do carro parado acenava ainda, e teve pena dele, por adivinhar que morreria nos braços daquela mulher. Depois da pena, porém, foi possuído por uma furiosa inveja do homem e da morte que teria, talvez numa daquelas próximas noites de fim de primavera, agonizando sob o perfume que ele, desditosamente excluído daquele destino, sentia ferir ainda suas narinas e supliciar sua alma, embora a mulher já tivesse desaparecido dentro do prédio.
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