domingo, 10 de outubro de 2010
Lírica (919) - O colibri
O homem tomou-se de amor por um colibri. Ouvia-o cantar em volta da casa, na frente, nos fundos, como se quisesse entrar, mas jamais o tinha visto (na verdade, nunca havia visto um colibri). Quando saía para trabalhar, por um quarteirão ainda era seguido pelo canto. Olhava para cima e nada via, ou via vários passarinhos em revoada. Qual deles seria o colibri? Num domingo, dormiu até mais tarde e estranhou que o colibri não o tivesse acordado. Foi pegar o jornal e, ao lado dele, viu o passarinho, duro como uma pedra. Trouxe-o até o peito e encheu o pequeno corpo de lágrimas. Um vizinho parou: "O que foi?" "É meu colibri. Parece que está doente." O vizinho olhou e disse: "Ele está morto. Não é um colibri, é um pardal. Por aqui não tem colibri." O homem odiou o vizinho por isso. Levou o colibri para dentro, pegou uma velha caixa de sapatos e o colocou dentro, em cima de uma camisa de lã, que afofou. Com medo de que o colibri sentisse frio, levou-o até o quintal e o expôs ao sol. Entrou para atender o telefone. Enquanto falava com a irmã e lhe perguntava como se sabia se um colibri estava mesmo morto, o gato do vizinho pegou o pássaro e o carregou nos dentes até a rua, onde o devorou. O homem, ao voltar ao quintal, alegrou-se: o passarinho estava vivo e tinha voado! E naquele dia, e em todos os outros, continuou a ouvir em volta da casa o canto do colibri.
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