O tempo misericordioso
ordena ao vento
que recolha as folhas
no parque
e as leve
e as amontoe
ali onde a chuva passará
para carregá-las
até o esquecimento
O vento levaria todas
e aquietaria
o coração atormentado
e as garras da insônia
se retrairiam
e as noites poderiam
outra vez
fechar os olhos
e descansar
e voltariam
a ser bem-vindos
o sol e o dia
Assim seria
Mas a memória
essa velha avarenta
que do seu cofre
não tira as mãos trêmulas
e os olhos cobiçosos
faz sempre um pacto
com o vento
e lhe pede
que iludindo o tempo
esqueça enroscada
na grama
uma folha ou duas
Uma que
foi acariciada verde
certa manhã
por uns dedos
que depois
se entrelaçaram
com outros
numa jura de amor
E outra
sobre a qual
numa tarde de verão
esteve pousado
num instante dourado
um pequeno pássaro
que tentou
um canto delicado
que só pôde
ser ouvido
por certa mulher
E uma e
outra folhas
subtraídas ao olvido
pelo ardil da memória
ficam na grama
oferecidas ao sol
que as faz brilhar
como brilharam antes
e ferem de novo
o coração
e martirizam
a alma
com sua pungência
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