Na gaveta
esteve o teu sangue
poemas escritos outrora
por teu não saber viver
pela tua angústia
por teu desespero
por tua vontade de morrer
Houve tempo em que
tu não abrias
a gaveta
com medo
de que o sangue
correndo e escorrendo
saísse pela porta
fugisse pelo portão
e ao mundo escancarasse
tua abjeta subserviência à ternura
e tua humilhação
Ontem tu a abriste
e a gaveta
estava seca
seca seca
e teu sangue
transformado num pó
que sopraste para ver
se ainda lá estavam
teus cadernos
teus poemas
teu tributo ao amor
teu anseio de morrer
tua autocrucificação
Lá estavam
e folheando-os
viste que eram
tão ruins os poemas
tão cheios
de tão enjoativa doçura
que felicitaste
a formiga
que por eles andava
por ela não ter
nem olhos de ler
nem o vício da ternura.
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