sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Os pombos
Os pombos já o viram. Esperam que ele se sente, abra a marmita aluminizada e enfie a colher de plástico para pegar o primeiro bocado de feijão e arroz. Ele também os viu, atocaiados sobre um toldo. É uma cena que se repete todas as tardes, como se fizesse parte do filme de um diretor exigente. Assim que ele tira a tampa, os pombos descem, com estrépito, para assustá-lo e fazê-lo cometer um erro. Ele não se assusta mais. No primeiro dia, deixou cair a marmita e precisou lutar pela sua comida, enfiando as mãos na calçada. Agora já sabe lidar com eles. Joga dez ou doze grãozinhos de arroz no chão e, enquanto eles se bicam para disputá-los, ele come rapidamente, mas com cuidado, para que não escape nada: há dias em que lhe dão pedaços de batata e até de carne. É simpático o gerente do restaurante. Faz dois meses que guarda restos do almoço para ele. É sua única refeição do dia e ele gostaria de comê-la com mais sossego, mas os pombos o vigiam, entre a uma e meia e as duas, e não o deixam em paz. Eles o seguem até quando ele vai jogar a marmita vazia no lixo. Poderia atirá-la ao chão, mas não faz isso nunca, por ser educado e - reconhece - também por birra, para que os pombos não tenham como raspar mais nada no fundo dela.
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