sexta-feira, 2 de março de 2012
Mas assim também não
Nelson Rodrigues tinha extremo cuidado com os diálogos de suas peças e outros textos. Um magistrado falava como magistrado, um estivador como estivador e um gigolô como gigolô. Certa vez, alguém lhe disse (certamente referindo-se ao modo de falar de algum personagem de pouco estudo) que os diálogos de Nelson eram muito pobres. Nelson, sarcástico, respondeu: "Você não sabe que trabalho me dá empobrecê-los." Isso me recordou duas ocasiões nas quais revisores preocupados em fazer com que todos os personagens falassem como filólogos colocaram em lábios rudes algumas expressões castiças. As vítimas desse excesso de zelo foram o cronista Luiz Martins, famoso por sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo, e o romancista Jorge Amado. O primeiro teve a surpresa de ver numa crônica sua o freguês de um bar pedir ao garçom: "Dá-me um conhaque." E o segundo espantou-se ao ver, já em prova final, um rústico plantador de cacau dizer algo como: "Pode tardar, mas tornar-me-ei assaz poderoso por estas bandas."
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