"Entre as muitas teorias literárias que às vezes formulo durante as aulas para brindar meus alunos obtusos e indiferentes, com uma generosidade de que mais tarde me arrependo e me envergonho, existe uma que acabou se delineando em minha mente com uma precisão suspeita, e que é a seguinte: a mixoscopia, ou se preferirem, o voyeurismo, estaria na origem de grande parte da narrativa e, obviamente, do cinema. Entretanto parece não haver mixoscopia na pintura e na escultura porque nessas artes falta o movimento: o voyeur espia não tanto o objeto quanto seu movimento, isto é, seu comportamento. Além do mais esse comportamento deve ser estritamente privado, isto é, ninguém, a menos que seja um voyeur, pode espiá-lo sem a consciência de estar cometendo uma indiscrição. Em outras palavras, e restringindo-me apenas à narrativa: o romancista, além de nos mostrar aquilo que todos poderiam ver, mostra-nos muitas vezes aquilo que ninguém poderia ver, a menos que se trate, justamente, de um voyeur. Com efeito, se por um lado não podemos incluir na mixoscopia a representação de acontecimentos tão públicos como um baile ou uma sessão do parlamento, por outro, é certamente voyeurista a representação de um fato tão privado como a relação sexual. E isto pela simples razão de que não se faz amor em público e, portanto, quando o romancista nos descreve dois personagens no ato de copular, na realidade ele olha e nos faz olhar por um imaginário buraco de fechadura. Este voyeurismo do narrador é frequentemente duplicado pelo voyeurismo de um personagem voyeur, como ocorre por exemplo na célebre cena de Proust em que Monsieur de Charlus é espiado pelo narrador com o 'giletier' Jupien. Ou, ainda em Proust, na cena não menos célebre em que Mademoiselle de Vinteuil é espiada enquanto faz amor com uma amiga."
(Do livro O homem que olha, tradução de Alvaro Lorencini e Letizia Zini Antunes, publicado pela Bertrand Brasil-Difel.)
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