Os dicionários tremiam quando deles se aproximava Dario (não me lembro do sobrenome e nem tenho certeza quanto ao nome). O Caldas Aulete, o Aurélio, o Lello eram tratados por ele com uma sem-cerimônia quase brutal. Era como se todos não fossem mais que desmancha-prazeres. Ele chegava, apanhava-os como alguém pegando pelo pescoço um gato desobediente e mijão, abria-os como um deflorador arrancando o vestido da vítima, balançava a cabeça e atirava-os de volta à estante, com uma interjeição de desdém: bah. Não me lembro de tê-lo visto concordar uma vez sequer com nenhum deles. Tinha suas próprias teorias e vê-las contrariadas lhe provocava uma justa ira. Às gramáticas ele dava o mesmo tratamento. Silveira Bueno, Eduardo Carlos Pereira, Carlos Góis, Napoleão Mendes de Almeida eram todos execrados por ele. Tinha uma cisma com uma tal de conjugação perifrástica e suas discussões gramaticais acabavam tomando esse rumo. Nos primeiros tempos de revisão, usava todas as suas inovadoras teorias e rabiscava as provas de alto a baixo. Com as seguidas advertências que levava, Dario submeteu-se afinal aos dicionários e às normas gramaticais. Parecia domesticado, embora de tempos em tempos prometesse a publicação de um livro que, segundo sua previsão, faria tremer os alicerces da apodrecida língua portuguesa. Uma noite, perguntou se alguém sabia de um apartamento para alugar e explicou que podia ser dos pequenos, para uma pessoa. Ele era casado e, antes que alguém lhe fizesse uma pergunta, disse, como se estivesse ansioso para desabafar: "Estou me separando." Como ele sempre elogiava a mulher, quisemos saber o que tinha acontecido. Ele se agitou, seu rosto avermelhou-se e a explicação veio em palavras iradas: "Ah, ela é metida a sabichona. Eu fui aturando, mas ontem não deu. Ela me disse que eu não entendo nada de conjugação perifrástica."
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