quarta-feira, 6 de março de 2013

No jornal - 57 - Ubirasçu (*)

O bom humor em Ubirasçu Pereira da Cunha seria raro, se tivesse sido observado alguma vez. Estar em litígio com o mundo era nele uma regra sem exceção. Eu o conheci na extinta revista Visão, onde quem precisasse falar com ele se preparava como se fosse enfrentar uma guerra. Se houvesse uma bandeira branca na redação, certamente ela seria usada pelos infelizes que, por um motivo qualquer, fossem obrigados a ficar frente a frente com ele. Os boys, que passavam por essa experiência várias vezes por dia, mantinham ainda o medo que haviam sentido na primeira vez. Havia no prédio uma agência do antigo Banco Nacional, e uma tarde presenciei um bom exemplo da beligerância de Ubirasçu. Formou-se diante de um dos guichês uma fila dos funcionários que haviam pedido talões de cheques e os pegavam depois que seus nomes era chamados pela funcionária. Quem trabalhou com textos enviados por telex sabe que neles não havia cê-cedilha. O mesmo acontecia com as folhas de cheques. Quando a atendente chamou Ubirascu Pereira da Cunha, recebeu como resposta uma saraivada de palavras nada amistosas: "Ubirasçu, ouviu?! Ubirasçu!! Ubirascu é a vaca que te gerou." Só alguns anos depois o reencontrei, no Estado. Ali ele mantinha ainda a fama de esquentado. Contaram-me que era comum ele pegar pesadíssimos armários e "emparedar-se". Foi aí que vi que não era só a revisão um lugar de amansar doidos. Disse-me uma vez, não lembro quem, que aquilo que ele fazia era só tipo, que no fundo ele era um brincalhão. Se era teatro aquilo, ele era um ótimo ator.

(*) Recente crônica do Humberto Werneck no Estadão fala do Ubirasçu e o apresenta como um tipo nada parecido com o que está neste perfil. Coloca-o como risonho, cordial e bem-humorado. Sem titubear, acolho a versão do Humberto, que o conheceu melhor que eu, seguramente. Retifico o nome (Ubirasçu Carneiro da Cunha) e, também porque outros testemunhos, encaminhados a mim assim que publiquei este texto aqui, seguiam o mesmo rumo, faço gostosamente as correções.
                                               (31 de julho de 2018)

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