sexta-feira, 26 de abril de 2013
As duas
Vi hoje à tarde numa lanchonete um casal feminino: uma loira espigada, de braços finíssimos e olhos encovados, e uma japonesinha bem mais jovem. Esta, enquanto não vinha seu sanduíche, beijava o braço da loira, a blusa, na parte que cobria o ombro, e, pondo-se na ponta dos pés, subia para o pescoço, e ia para a boca. A loira não retribuía. Olhava para a namorada com desconfiança, e eu imaginei que talvez a cena fosse uma repetição, com algum detalhe suprimido ou acrescentado, de muitas outras. A japonesinha parecia desculpar-se. Quando chegou seu sanduíche, ela se esqueceu do braço da companheira, do ombro, do pescoço e da boca, e seus lábios procuraram vorazmente o queijo quente no meio do pão. A loira olhava para ela, para o sanduíche, e eu adivinhei fome nos seus olhos e pouco dinheiro na calça jeans. Pedi a conta. Não vi, mas aposto que a loira pagou o sanduíche. Nos seus braços finos li, além de noites de insano amor, toda uma história de privações, de dinheiro contado para oferecer agradinhos a amantes que, como a de hoje provavelmente fará, acabam por deixá-la sozinha. Já na porta da lanchonete, saindo para a Cursino, voltei-me e tive a última visão das duas: a que comia com avidez o sanduíche e a que melancolicamente imaginava quantas vezes veria ainda aquela boca amada e quantas vezes ainda a sentiria na pele, aquela boca que puxava com a língua o fio de queijo quente.
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