segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Nosso único número
Nosso único número não funciona. Se não fôssemos tão tolos, há muito tempo já saberíamos. Enquanto os outros tentavam e testavam tudo que lhes desse na telha, preferimos ir aperfeiçoando o nosso. Nossa cara foi ficando mais patética, nossas lágrimas mais copiosas, nossas queixas mais esmeradas. Sempre faltou algo ao número, ele nunca foi suficientemente bom. Tapinhas nos ombros, foi só isso que recebemos. Mas nós pensávamos, ah, um dia descobrirão como é bela nossa tristeza. E, no entanto, já a tinham descartado definitivamente desde a nossa primeira apresentação. Nunca nos disseram nada, porém. Ouvíamos os risos, os cantos, as exclamações da rua, enquanto num sótão miserável, como o dos abandonados de Charles Dickens, procurávamos fazer nossa tristeza parecer civilizada. A esses risos e cantos, a essas exclamações foram se juntando centenas, em todo esse tempo. É um som triunfal. Procuramos fechar os ouvidos e refazemos os gestos que poderíamos já repetir até dormindo. Depois, reabrimos os ouvidos e pensamos que os risos, os cantos e as exclamações são para nós. Curvamo-nos, agradecemos. É a melhor parte do nosso número, essa final.
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