"Aqui está Joana em seu lençol de penitência,
despida de sua armadura, o cabelo tosquiado,
envolta com uma corda
feito um pernil de carneiro desossado e amarrado,
com um chapéu que parece de papel,
de jornal, aliás, sem nada impresso,
um chapéu cônico de bobo.
Toda ela é pálida, mão, pés descalços,
vestimenta fina, extenuada e branca,
lívida como o centro de uma chama:
a presciência faz isso.
Algum clérigo ateando-lhe fogo.
Nenhum dos dois parece feliz com isso.
Uma vez acesa, ela queimará como um livro,
como um livro que nunca foi concluído,
como uma biblioteca trancada.
Seus dois anjos canhotos
e os lema ardentes
que sussurraram em seu ouvido -
Coragem! Adiante! Rei!
também vão queimar.
Suas vozes murcharão e serão sopradas longe
num rabisco de cinzas,
pedaços carbonizados de uma piada indecente
na longa e dissoluta narrativa
que as pessoas continuam a se contar sobre Deus,
e os espectadores na praça darão vivas,
incinerando-a com os olhos
já que todos gostam de uma boa fogueira
e um belo grito, algum tempo depois.
É você que a lê agora,
que lê o Livro de Joana.
Que ideia faz dela?
Joana, a mensageira presunçosa,
ou louca, ou esfera vítrea
contendo um capítulo puro e conciso
de uma história a que faltam as duas pontas?
Você vai improvisar alguma tradução,
você e a lâmpada da luminária em sua mesa,
você e seu olhar fixo e incandescente."
(Do livro "A porta", tradução de Adriana Lisboa, publicado pela Rocco.)
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