"O artifício parecia outrossim a Des Esseintes a marca distintiva do gênio humano.
Como ele costumava dizer, a natureza já teve a sua vez; cansou definitivamente, pela desgastante uniformidade das suas paisagens e dos seus céus, a paciência atenta dos refinados. No fundo, que chatice de especialista confinado a seu papel; que mesquinharia de lojista apegando-se a determinado artigo com exclusão dos demais; que monótona coleção de prados e árvores, que banal agência de montanhas e mares!
Não existe, aliás, nenhuma de suas invenções reputada tão sutil ou grandiosa que o homem não possa criar; nenhuma floresta de Fontainebleau, nenhum luar que cenários inundados de jatos elétricos não reproduzam; nenhuma cascata que a hidráulica não imite se nisso se empenhar; nenhum rochedo que o papelão não assimile; nenhuma flor que tafetás ilusórios e delicados papéis pintados não igualem!
Não há dúvida de que essa sempiterna maçadora já esgotou a indulgente admiração dos verdadeiros artistas e é chegado o momento de substituí-la, tanto quanto possível, pelo artifício."
(Do livro Às avessas, traduzido por José Paulo Paes, publicado pela Companhia das Letras.)
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