"Embora o tempo estivesse esplêndido - um céu azul polvilhado de ouro e grandes manchas de luz espalhando-se sobre os Jardins Publiques -, a Srta. Brill estava contente por ter resolvido pôr sua estola de pele de raposa. O ar mantinha-se parado, mas ao abrir a boca a gente sentia um leve arrepio, como ao tocar os lábios num copo de água gelada antes do primeiro gole; e de vez em quando aparecia uma folha flutuando no ar - vinda de lugar nenhum, do céu. A Srta. Brill estendeu a mão e tocou na estola de pele de raposa. Coisinha querida! Era gostoso senti-la de novo. Ela a tirara da caixa naquele dia mesmo, sacudira-a bastante para fazer sair a naftalina, dera-lhe uma boa escovada e esfregara aqueles olhinhos mortiços para reavivá-los. 'O que andou acontecendo comigo?', disseram os olhinhos tristes. Ah, como era bom vê-los ali sobre o edredom vermelho, piscando para ela mais uma vez!... Mas o nariz, feito de algum composto de substâncias pretas, não estava nada firme. Devia ter batido em alguma coisa. Não tinha importância - um pedacinho de lacre preto, no momento oportuno, quando fosse de fato necessário... Malandrinho... Sim, era isso mesmo o que ela pensava a respeito da estola; um malandrinho mordendo a própria cauda bem ao lado de sua orelha esquerda. Poderia tirá-la do pescoço e pô-la no colo, para afagá-la melhor. Sentiu um formigamento nas mãos e nos braços, mas supôs que fosse resultado da caminhada. Ao respirar, alguma coisa triste e leve - não, não exatamente triste - alguma coisa suave parecia mexer-se dentro de seu peito."
(Do conto "Srta. Brill", do livro A festa e outros contos, tradução de Julieta Cupertino, publicado pela Editora Revan.)
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