quarta-feira, 4 de novembro de 2015
11h43
Pareciam tantos, os objetos da loja. Reduziram-se a três sacos de lixo de 50 quilos: uma mixórdia de recordações miúdas, de lembranças, de bugigangas, de medíocre história. Que tolice comete quem, em nome do amor, santifica tantas baboseiras. Postos aqui neste canto ao lado da porta, os sacos parecem três soldados vencidos, obrigados a permanecer em pé por um regulamento ao qual juraram obediência, num tempo mais que remoto. Quando eu os colocar fora, hoje à noite, os cachorros não se deterão para cheirá-los. Não erguerão a pata. Nem urina merecem três soldados sobre os quais pesam o vilipêndio e a desonra. Quando forem descarregados no aterro municipal, talvez alguns dos objetos chamem a atenção dos catadores. Um menino talvez pegue um dos livros e resolva ficar com ele, enganado pelo título: Fantasma sai de cena. Pensará ser o relato das aventuras de um herói. E Philip Roth entrará pela primeira vez num barraco de favela. Bem, o que importa dizer é que a loja está vazia. Mas ficarei sentado aqui ainda, com as prateleiras vazias, até sexta-feira. Não me eximirei de um minuto sequer do sofrimento que construí para mim.
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