"A mulher morta jogada na estrada poeirenta
é muito bonita.
Uma perna estendida, a outra flexionada, o pé apontando
na direção do joelho, o braço atirado acima da cabeça, a mão
relaxada num gesto adorável
que uma dançarina poderia estudar durante anos
e nunca conseguir fazer.
Sua túnica roxa tem o formato
de algo que esvoaça;
sua cabeça está virada para o outro lado.
Há mais mortos espelhados ao redor
como árvores destroçadas,
largados na esteira de homens amedrontados
que destroem tudo a caminho de um objetivo grandioso
de que já não conseguem bem se lembrar.
Mas minha atenção se fixa nesta bela mulher,
dançando ali no chão
com perfeição tamanha.
Oh bela mulher morta, se alguém
fosse capaz de me puxar através do desespero
e da árida impotência
até o coração da prece,
seria você
Em vez disso por você farei
a única coisa que posso:
embora nunca venha a saber seu nome,
jamais vou esquecê-la.
Veja: no chão poeirento
sob minha mão, neste papel barato e cinzento,
vou colocar uma pedrinha, pronto:
o"
(Tradução de Adriana Lisboa, do livro A porta, publicado pela Rocco.)
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