quinta-feira, 20 de junho de 2019
Pegadinhas no Estadão
Seriam chamadas hoje de pegadinhas algumas brincadeiras que se faziam na revisão. Colocar nas costas de alguém - sub-repticiamente, é óbvio - um papel com dizeres como "motor amaciando" ou "passe-me a mão" era uma delas. Mas a que mais irritava era uma espora feita com o papel prateado dos maços de cigarros. Ficava igual às dos xerifes de filmes do Velho Oeste. Creio que foi Newton Bastos quem criou essas esporas que, tendo na sua face interna um pouco de cola, eram grudadas nos sapatos de revisores distraídos - alguns chegavam a notá-las apenas quando chegavam em casa e iam pôr o pijama. Como a revisão era um lugar de amansar loucos, dificilmente apareciam ali estranhos. Mas, uma noite, recebemos a visita de José Bonifácio Coutinho Nogueira, candidato a governador de São Paulo (como acontece até hoje, os revisores votavam, naquele tempo). Assim que ele entrou, naturalmente lhe aplicaram o par de esporas e com elas ele foi nos cumprimentando, um a um. Apesar dos inevitáveis risinhos que o acompanharam a cada passo, ele não teria notado as esporas. Foi seu cicerone - possivelmente um Mesquita, ou quem sabe o editor-chefe, ou o editor de política - quem interveio para dar um final satisfatório à situação. Ele avisou o candidato sobre as esporas, dizendo com extraordinário espírito que elas eram uma tradicional demonstração de carinho dada pelos revisores aos visitantes ilustres, uma espécie de comenda. José Bonifácio - conhecido também como Zé Bonitinho - foi simpático, assim como costumam ser todos os candidatos em campanha, e sorriu. Não lembro se agradeceu, mas que sorriu sorriu. Havia muitas dessas pegadinhas. Walter Santoro, citado já nestas memórias, tinha também a dele. Pegava o pente (era comum homens levarem pentes no bolso), aproximava-se silenciosamente da vítima, dava-lhe uma curtíssima pancada no sapato, na altura do peito do pé, e seguia em frente ou parava, olhando para o alto, disfarçando. Era engraçado ver a vítima agachar-se para procurar um objeto que não caíra. O ponto alto dessa pegadinha ocorreu numa tarde em que o servidor de café parou seu carrinho e começou a encher as xícaras. Walter deu-lhe uma pentada e, quando o homem se abaixou para ver o que havia caído, pulou do bolsinho do avental uma canetinha que ele sempre levava. Quando a Bic bateu no seu pé, ele a recolheu, fez uma cara de extremo espanto e nos disse: "Gente, eu preciso me cuidar, estou ficando louco. Eu senti a canetinha bater no meu pé antes dela cair do bolso." E, já que falei de café, farei uma rápida menção a um motorista que, chamado um domingo para levar um Mesquita à fazenda, perguntou se poderia fazer um desvio de cinco minutinhos e dar uma passada pela sua casa. Tinha esquecido a carta de motorista. A mulher do motorista fez questão de que o Mesquita desse uma entradinha, que ela ia preparar um café. Em dois minutos estava de volta à sala, com o café numa bandeja em que havia alguns biscoitinhos e três xícaras - todas com o brasão do jornal - que, certamente como recordação, haviam sido levadas pelo marido.
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