Ama Pessoa, Shakespeare e Dante,
Aqueles livros todos que não leu
Mas enchem de imponência sua estante.
Ama Pessoa, Shakespeare e Dante,
Aqueles livros todos que não leu
Mas enchem de imponência sua estante.
O poeta lírico não precisa conhecer muitas palavras. Com mais ou menos cem - se uma delas for amor, ele pode garantir-se por toda a carreira, se ela, como as rosas dos seus poemas, não for muito duradoura.
Como um passarinho no céu azul e outras singelezas, o haicai passa ao poeta uma falsa impressão de facilidade.
Me digam por favor que vida é esta.
Sinto-me como um defunto inconveniente
Enterrado há dez anos numa floresta.
Esteve tão ocupado com a literatura que a vida só merecia sua atenção esporadicamente, muito esporadicamente.
Do vírus somos joguetes.
Ele escarnece de nós,
Zomba de nossas ogivas,
Mija em nossos foguetes.
Surpreende-me a facilidade com que se altera a minha cotação: num dia sou longevo; no outro, sou decrépito.
Seu sonho é escrever uma daquelas frases curtas, belas e definitivas que costumam com toda a justiça ser atribuídas a Clarice Lispector.
Sentiremos frio
muito frio
e perguntaremos
por que nunca nos disseram
que seria assim
e os outros mortos nos responderão
que era sim
e sempre foi
triste escuro e frio
desde Eva e Adão.
No seu processo de autoconhecimento, descobriu que não era poeta quando não tinha mais idade nem forças para ser trapezista, outro sonho de sua juventude.
Na entrevista, o autor de romances pornográficos declarou não ser candidato ao Nobel, por não se considerar um artista, mas só um modesto servidor da indústria do entretenimento.
Seria muito mais fácil, coerente e agradável dedicar a vida à literatura se ela fosse loira, longilínea e langorosa.
É um desses escritores que amam o que fazem, um legítimo produto da era da autoajuda. Se apresentam algum reparo ao seu estilo, diz que, se aceitasse lições de alguém, seria de Shakespeare. Com uma condição: somente se fossem aulas presenciais. Quanto ao que chama de logística, deixa uma advertência. Shakespeare que venha de carruagem, de tílburi, como puder, porque ele, francamente, não está nada disposto a viajar.
Deus lhe apareceu certa manhã, quando ele tinha doze anos. Mostrou as credenciais e com aquela voz trovejante anunciou: você vai ser um grande escritor, depois eu explico. Em seguida embarcou de novo na nuvem em que tinha descido. Isso foi há setenta anos, e Ele ainda não voltou.
A crônica da quinzena
https://rubem.wordpress.com/2020/09/20/mulheres-e-as-frases-que-elas-inspiram-raul-drewnick/
Quando, por força dos achaques, passou a viver na sala, a família notou que o sofá, recém-comprado, já não parecia tão vistoso quanto era na loja.
Apesar do descrédito com que costumam ser vistos, alguns velhos poetas têm pelo menos uma notável virtude. Aos oitenta anos, continuam tão inocuamente promissores quanto aos dezoito.
Com a carteirinha, a cesta básica e outros benefícios legais, os poetas desdenharam as flores e os passarinhos e alistaram-se entre os arautos das causas sociais.
Uma noite dessas teve um sonho reminiscente que não foi adiante por um simples desacerto entre números: era 1958, e a mulher a quem ele abria a porta do carro tinha os vinte anos que ele deveria ter então, mas logo viram que ele tinha pelo menos sessenta anos mais.
Nada, nem na infância nem na adolescência, indicava que viria a ser uma estátua na praça principal.
Quando tinha meus vinte anos, eu podia ficar até os trinta sem escrever nada e dizer simplesmente que havia tirado umas feriazinhas. É o que eu devia ter feito. Talvez gostasse tanto das férias que as estendesse até os oitenta. Seria uma bênção para a literatura e um ganho inestimável para os leitores.
Aquela aflição que dava o soneto quando se aproximava o terceto final e o cisne parecia estar destinado ao sacrifício, para maior brilho da chave de ouro.
O jovem leitor vê hoje uma foto de Drummond e não acredita que ele, com aquela cara de mineirinho sossegado, tenha ousado desafiar a velha guarda da poesia e, enxotando os cisnes parnasianos, escolher para os seus poemas protagonistas improváveis como aquele leiteiro, tão eficazes dramaticamente quanto uma donzela suicida de Shakespeare.
É um poeta daqueles antigos. A inspiração o abandonou e há muito ele já não escreve, mas ainda hoje, se sai à rua, é importunado por algum passarinho ou borboleta que pedem participação num soneto.
Antes de se lançar como sonetista
o poeta deve arranjar ou um pseudônimo
ou um bom advogado criminalista.
A literatura poderia chamar-se Eleanor, Elisabeth ou Lindsay e seria tão eficaz quanto qualquer uma dessas mulheres para enfeitiçar um homem, mas muito menos excitante.
Sexo é o tipo de assunto
Que só não interessa a quem
Não estiver mais completamente vivo
Ou já for parcialmente defunto.
Dizer que a vida toda estivemos procurando a beleza é uma presunção que talvez perdoem a quem, como nós, não tem feito nada senão aquilo que é uma obrigação de qualquer escritor: escrever.
Maria amava Mabel
e Mabel amava Maria.
Seria só uma
demonstração de amor
se não fosse um
gracioso exemplo de aliteração.
Quando tocada em seu ponto mais alto, a poesia é, em comparação com a prosa, uma nota de violino soando triunfante sobre o grosseiro ribombar de um trator.
As coisas não são como pareciam.
Eu pensava que usava as palavras
E as palavras é que me consumiam.
Se eu usasse bigode, poderia talvez parecer mais simpático na orelha do meu livro de poesia, se eu lançasse um.
Se eu houvesse começado a escrever mais cedo, não teria para acrescentar ao meu currículo nada além de mais dois ou três anos de aprendizado tão infrutíferos quanto os demais.
O amor seria uma boa justificativa para a sua cara de sonso e esses suspiros fundos, se você estivesse em 1958 e tivesse vinte anos.
Você dizia aquela palavra de sempre e ela despertava um demônio sedento de sexo. Ele se atirava aos seus pés com seus dois metros e punha-se ao seu dispor. Quero tudo, você lhe ordenava, e ele lhe dava tudo até você acordar. Era o seu sonho preferido naquela época. Com pequenas variações, repetia-se. Tantos anos depois, você gostaria de pôr o pé novamente no pescoço do escravo e lhe ordenar: quero tudo. Ele a esqueceu, o formidável e incansável homem, tão diferente daquele que esparrama a carne gorda de marido sobre você, nas noites de sexo protocolar.
Para a menina mais linda, o mais belo nome.
https://rubem.wordpress.com/2020/09/06/um-belo-e-doce-nome-de-menina-raul-drewnick/
Se em teus lábios esteve alguma vez a palavra amor, ela deve ter deixado neles uma lembrança, um murmúrio, uma inquietação que um dia pode voltar a se exprimir. Nesse dia talvez lhe dês mais atenção.
Quando diz que é poeta porque assim pede o destino, não é só uma questão de charme. É uma forma de terceirizar uma culpa.
Venturosamente acabou a era dos poetas declamadores, que faziam trovejar palavras sobre o público antes de respingá-lo com perdigotos.
Se lhe perguntam que tipo de amante ele é, sorri com falsa humildade e diz que se enquadra entre os ambidestros.
A netinha de seis anos só sentiu pena do avô já na segunda hora do velório, quando chegou de fora, promissora como um pecado, a voz anunciando pipoca quentinha.
Tão corada e pimpona estava no velório que mais parecia uma substituta sem talento do que a defunta propriamente dita.
Se Deus quiser um dia nos punir
Por julgar nosso afeto demasiado,
Que saiba nossos erros repartir
De forma justa e modo equilibrado.
Que não venha a ti culpas atribuir
Maiores que as que eu tenho confessado
E com clareza saiba discernir
Que a todo teu responde um meu pecado.
Se nós, com nossa incauta demasia,
Ateamos fogo ao fogo que já havia,
Por puro amor ou por devassidão,
Não sabemos dizer, e nem queremos.
O castigo ou louvor que merecemos
Soframos ou gozemos com paixão.
É um poeta modesto. Se precisa de uma estrela, só faz o pedido ao almoxarifado poético se não puder reaproveitar uma antiga.