sexta-feira, 7 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (88) -- Trinta anos
No velório, ele, ao dirigir palavras de consolo à viúva, ouviu dela uma pergunta: o que ele tinha querido realmente dizer trinta anos atrás, quando havia ligado uma noite para ela e, dando a entender que faria uma revelação gravíssima, acabara fazendo apenas uma consulta sobre uma questão de português. Ele hesitou novamente, como havia hesitado trinta anos antes, e não disse que tinha pretendido avisar, naquele dia longínquo, que o homem agora estendido no caixão, então um adolescente, andava espalhando no colégio a facilidade com que a encostava em cada muro ou árvore e a levava a êxtases profundos. Não disse também à viúva que a amava naquela época, que havia mantido esse amor aceso por muitos anos e que não entendia como ela podia ter se casado com aquele homem que, morto, assumira uma falsa expressão de austeridade, e ao qual, entre dentes, ele chamou de porco.
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