domingo, 31 de dezembro de 2017
Tédio
Até os últimos anos do século XX, morrer de amor era tão comum que nos atestados constava a expressão "causas naturais".
Últimas palavras
Sobre o morto se comenta, quem diria, que algumas horas antes estava fazendo gracinhas para aquela mulher bunduda, sabem?, é, aquela do traficante.
Estatística (para Henrique Fendrich)
Ainda está para nascer um morto que agrade a gregos e troianos.
Tudo (para Regina Helena Paiva Ramos)
Se não tivéssemos a tristeza, talvez nos faltasse o principal.
Diante dele
No começo, hesitaram. Agora ganharam confiança e, já não temendo represálias, relembram as mais ridículas cenas do morto e riem, afinal, libertos do tirano.
Ideal (para Gabriel Perissé)
Alcançar a beleza não deve ser o prêmio de uma atividade, mas um acaso como um arco-íris brotando sobre um conjunto habitacional paupérrimo, já no fim de uma dessas mesquinhas tardes paulistanas.
Hoje na Rubem
Junto mais alguns itens de minha dispersão.
https://rubem.wordpress.com/2017/12/31/uma-questao-de-simpatia-e-outras-raul-drewnick/
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sábado, 30 de dezembro de 2017
Poeta, mas nem tanto (para Ludenbergue Góes)
Tenho vergonha de me dizer poeta e, quando me digo, me desdigo um minuto depois. Sou um poeta daqueles que antigamente se vendiam às grosas e às baciadas, ou enfiados como brinde nos bolsos da freguesia. Talvez tenha ainda, se tanto, algum valor sentimental. Às vezes alguém da Globo me procura atrás de informações para uma daquelas novelas das sete e me pergunta, aproveitando a gasolina, se por acaso não tenho um abajur de época ou um par de galochas.
Cotação de 30/12
Vou indo muito bem. Tenho água para mais um dia e me disseram que a casa da loira de unhas pontiagudas e mortais é logo ali.
Opostos
As pombas de Raimundo Correia parecem ter voltado aos pombais. O corvo de Edgar Allan Poe, nunca mais.
Enigma (para Silvana Guimarães)
Sei que a poesia morreu há muito tempo. Do que têm vivido esses senhores calvos que se proclamam poetas? Onde está Roberto Piva, que não nos vem chamar para a revolução das cabeleiras desgrenhadas e dos piolhos?
No aniversário de Celina Portocarrero
Os poetas se esforçam para nos convencer de que podem melhorar uma flor ou apresentar uma versão aprimorada de passarinho. Alguns já conseguiram - aqueles dez cujos nomes reverenciamos.
Lápide de um rimador
Escrever teria sido
Talvez não a salvação,
Mas uma compensação,
Se eu houvesse conseguido.
Talvez não a salvação,
Mas uma compensação,
Se eu houvesse conseguido.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Hipótese
Talvez tenhamos morrido
Num lugar longe, ignorado,
E, ninguém tendo sabido,
Não nos tenham avisado.
Num lugar longe, ignorado,
E, ninguém tendo sabido,
Não nos tenham avisado.
Bom exemplo
No fim da vida, tocado pelo altruísmo, o concretista começou a construir poemas populares.
Na palma da mão
Só o poeta concretista sabe qual é a parte de cima e a parte de baixo de seus poemas.
Feiura
Há aqueles mortos tão mal-encarados que as moscas só se atrevem a pousar sobre eles depois da terceira hora.
Contra a etiqueta
O primeiro sinal de desrespeito dos mortos é nos receberem daquele jeito, deitadões.
Raciocínio lento
Tolo é quem ainda não percebeu que, se temos entranhas, mesmo que só no sentido figurado, é direito do amor devorá-las.
Recado
Os mortos devem estar querendo dar-nos algum exemplo. Que outro motivo teriam para há milênios estarem insistindo?
Nota baixa
Como é constrangedor, para certos mortos e para nós, compartilharmos a certeza de que não merecem nem um pouco aquela cerimônia toda.
Tim-tim por tim-tim
O poeta capitalista sabe que daqui a cem anos, quando lhe reconhecerem a genialidade, receberá tudo com juros e correção monetária.
Todos
Os poetas velhos querem passar a impressão de que conhecem todos os segredos da poesia. Os jovens, também.
Para espantar olho gordo
Se não quiser ser invejado e odiado, abra a janela e grite o que você é: escroto, puto, asqueroso. Pode ser que dê certo, mas não é improvável que você seja aplaudido - não por ironia do público, mas por pura afinidade.
Hoje no portal do Estadão
Um instante de ufanismo.
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/yes-temos-doutores/
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/yes-temos-doutores/
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
Lembrança
Ela chamava meus poemas de versinhos
com aquela boca burrona
cheia de graciosos dentinhos.
com aquela boca burrona
cheia de graciosos dentinhos.
Pé atrás
Alguns mortos nos convencem
já desde o primeiro momento;
outros, só depois do sepultamento.
já desde o primeiro momento;
outros, só depois do sepultamento.
Arquétipos (para Ana Farrah Baunilha)
Pobres musas do romantismo
condenadas pela tradição
à virgindade e ao ascetismo.
condenadas pela tradição
à virgindade e ao ascetismo.
Questão de número (para o Ludenbergue Góes)
A folha de limeira
diz às demais:
quanto orgulho tenho
por nós sermos tão plurais.
diz às demais:
quanto orgulho tenho
por nós sermos tão plurais.
O motivo
Se não olhamos para o sol, não é para preservar nossos lindos olhos: é para ele não se sentir diminuído em sua majestade.
Filantropia
De vez em quando, os velhos escritores fazem algo pela literatura: morrem e abrem, para os mais jovens, o espaço que presumem ter.
Nem assim
Mesmo que tenhamos sido amigos de infância dele, nenhum de nós será desembaraçado o bastante para chegar a um morto e lhe dizer: que merda, hem, Ernesto?
Detalhe
A gravata borboleta no pescoço do morto provocou o comentário de um desses gaiatos que toda família tem: ele foi promovido a garçom?
Dois tipos
Se aos dezoito anos você descobre que nunca será Shakespeare, não se preocupe. Bem-vindo ao clube dos escritores fracassados. Se descobre só depois dos dezoito, talvez você pertença à classe dos que, com algum desdém, são chamados de lentos.
Oportunismo
Mesmo no velório, até o último minuto fica o receio de que o chato, aproveitando a circunstância de ser o protagonista, possa levantar-se e pedir licença para dizer duas ou três palavrinhas.
Colosso
O mais notável dos poemas concretistas
foi o que nos anos 1960 ocupou o quarteirão
da consolação com a paulista.
foi o que nos anos 1960 ocupou o quarteirão
da consolação com a paulista.
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Contabilidade
O poeta romântico
nunca esteve tão mal.
De todo seu absinto
não resta mais que um quinto
e o último dos cisnes
foi sua ceia de Natal.
nunca esteve tão mal.
De todo seu absinto
não resta mais que um quinto
e o último dos cisnes
foi sua ceia de Natal.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Ali, ó, na lata
Pedi um dedo de prosa
E minha amada zangada
Nervosa me respondeu:
Não é você que queria
Poesia, apenas poesia?
Vá falar com os espondeus!
E minha amada zangada
Nervosa me respondeu:
Não é você que queria
Poesia, apenas poesia?
Vá falar com os espondeus!
Pecados antigos (para Ana Martins Marques, Mariana Ianelli, Silvana Guimarães e Veronica Stigger)
Você é claro já notou
que aqueles com quem você
bebeu em tantos bares
e frequentou tantos lupanares
se você os encontra hoje
não têm tempo para
parar e conversar
Só você lembra que eles
agora homens de projeção
foram jovens e pensavam em tudo
menos na futura reputação
Você lhes fala dessa
ou daquela situação
e eles se desvencilham:
olhe eu não estava nessa
mas estivemos naquela missa
(ou era um comício?)
oficiada por dom evaristo
E você fica com a convicção
de que naqueles anos
sustentou sozinho
todos os bordéis
todos os hotéis
todos os botequinhos
todos os vícios paulistanos
na república na sé
na ipiranga e na são joão.
que aqueles com quem você
bebeu em tantos bares
e frequentou tantos lupanares
se você os encontra hoje
não têm tempo para
parar e conversar
Só você lembra que eles
agora homens de projeção
foram jovens e pensavam em tudo
menos na futura reputação
Você lhes fala dessa
ou daquela situação
e eles se desvencilham:
olhe eu não estava nessa
mas estivemos naquela missa
(ou era um comício?)
oficiada por dom evaristo
E você fica com a convicção
de que naqueles anos
sustentou sozinho
todos os bordéis
todos os hotéis
todos os botequinhos
todos os vícios paulistanos
na república na sé
na ipiranga e na são joão.
99% (para Silvana Guimarães)
Os sonetos - com exceção talvez de um por cento - são uma prova de que a pior poesia só se consegue com excepcional esforço.
Premeditação
Os poetas concretistas são frios como assassinos: para cada verso que fazem têm uma justificativa - às vezes até válida.
Cotação do dia
Não sei o que é mais forte: se o ódio que tenho por mim ou se a minha autoindulgência.
Por que não?
Se eu tivesse rido de mim quando devia, quando resolvi aos quinze anos tornar-me escritor, não precisaria estar passando por tanta vergonha até hoje.
Horários
Um chato pode chegar uma hora antes à festa para a qual não o convidamos ou quando já estivermos apagando as luzes da casa, mas não falta nunca.
Má sorte (para Rose Marinho Prado)
A roda já havia sido inventada quando surgiram os concretistas. Desta, como de algumas outras glórias, eles foram privados por haverem chegado um pouco tarde.
Infalível
Quando se quer desqualificar um poeta moderno, é fácil: é só apontar, em seus versos, aqueles indícios de amor que apesar de todo o esforço ficam.
segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
As perguntas
Depois de meses de convalescença, o velho um dia saiu à rua. Todos lhe disseram que, graças a Deus, ele parecia muito bem. Estar andando já era uma bênção. Por uns instantes ele sorriu, até que lhe veio uma antiga pergunta: andar para onde? Depois outra: e para quê?
Assuntos reais
Os ingleses dos bons tempos não incorriam em banalidades. Viviam para matar-se, mas por tronos e coroas.
Porvir
Pensa nos filhos e começa a sentir pena. Que desculpas arranjarão para evitar vê-lo, quando estiver no asilo?
Happy end
Quando me afundei na miséria
corri para botar no prego
todas as chaves de ouro
do meu alter ego.
corri para botar no prego
todas as chaves de ouro
do meu alter ego.
De Ian McEwan
"As palavras, estou começando a entender, criam verdades."
(De Enclausurado, tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras.)
(De Enclausurado, tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras.)
domingo, 24 de dezembro de 2017
Convicção
Tenho certeza, não falho:
Foram os poetas concretistas
Que construíram a casa do Carvalho.
Foram os poetas concretistas
Que construíram a casa do Carvalho.
Última cartada
Para despertar o rei
Entregue aos derradeiros estertores
Foram chamar os três tenores.
Entregue aos derradeiros estertores
Foram chamar os três tenores.
Bolsa (para Rose Marinho Prado)
Os poetas vão de mal a pior,
Porém os farsantes, ah,
Sempre melhor do que antes.
Porém os farsantes, ah,
Sempre melhor do que antes.
sábado, 23 de dezembro de 2017
Bilhete para os amigos
Não se preocupem comigo. Tenho só essa tristeza para cuidar. Acabo dando conta.
Ficha técnica
Sem esperança, e nenhuma
Noção do que é longe ou perto,
O amor será sempre só uma
Voz clamando no deserto.
Noção do que é longe ou perto,
O amor será sempre só uma
Voz clamando no deserto.
Dando-se ares (para Rose Marinho Prado)
Minha tristeza desandou a ser sofisticada. Presume-se literária, a infeliz.
Caminho aberto
O farol se fecha, mas não é o morto o motorista, e o carro escuro, com a sirene desatada, passa.
Nota de rodapé
Quando louvo minha tristeza, não quero compartilhá-la com vocês. Tenho ciúme. Podem adulá-la, lisonjeá-la, mas não lhe deem flores. Deixem que eu faça isso.
Ainda hoje
Não aprendi a me expressar. Tive tempo, isso não me faltou. Os que primeiro passaram por mim cumpriram já sua jornada. Estão além, muito além do horizonte, e eu poderia comemorar com eles, ou ao menos cumprimentá-los, se tivessem me entendido e me levassem com eles. Por que não me entenderam? Sempre foram honestas minhas palavras, sempre estas que digo ainda hoje aos que, passando por mim, iniciam sua jornada.
Lição
Como toda vítima do amor, aprendi a queixar-me baixinho ou escandalosamente, conforme o desejo dele.
Campainha
Vocês não gostam da minha tristeza, eu sei. Vocês me dão o pão rapidamente pela fresta da porta e me aconselham a ir comê-lo tão longe quanto possa. Eu os respeito, como não respeitá-los? Vocês têm a superioridade da alegria.
Simonia
Continuo expondo minha tristeza na praça. Cada dia eu a deixo mais nua. Vejam, ela precisa de roupas, olhem como a fome se desenha em seus ossos. Meu chapéu se enche das moedas com as quais à noite, para traí-la, eu pago o vinho às marafonas.
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
Influências (para Danusia Curyl e Marcia Glogowski)
O passarinho mais pungente e sério de minha tristeza bebeu na fonte de Wislawa Szymborska e Chopin.
A lista
Tenho poucas coisas preciosas. Uma é a lista dos meus gatos, desde o primeiro. O último deles morreu hoje, atropelado como um cachorro. Quando digo o último, quero dizer isso: o último. Não me deixarei seduzir mais por eles. Podem arranhar a porta, miar, chorar. Arranhem, miem, chorem.
Ofício
Desde o começo, quis escrever coisas bonitas. Meu único pecado foi achar que aquilo pudesse ser literatura.
Em vida
Chamem-me de tolo, de ingênuo, de sentimentalão, de escravo do amor. Exaltem minhas virtudes enquanto respiro ainda e posso agradecer-lhes.
Hoje no portal do Estadão
Um conto pré-natalino.
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/coracao-de-manteiga/
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/coracao-de-manteiga/
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Divina Margaret (para Helena Russano Alemany, Lígia e Sílvia Bejar Sanches)
Quando leio Margaret Atwood, sinto-me tentado a mudar aquela frase de Buffon para "o estilo é a mulher".
Vísceras
Depois que você conhece intimamente a falsidade dos seres humanos e sua pequenez moral, seu estômago revira-se quando você se vê obrigado a reconhecer que eles são seus semelhantes.
Injustiça
Por sempre ter dado pouca atenção e valor aos momentos felizes, custa-me acreditar que esteja pagando tanto, hoje, por desfrutá-los.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Petra e Petruccia
O dono me encarregou de tomar conta de suas duas tartarugas, Petra e Petruccia. Era meio-dia. Foi tudo bem até as seis. Com a vinda da noite, devo ter me distraído um pouco porque, subitamente, vi só uma delas. A princípio pensei que fosse Petra. Mas, quando a chamei e ela não me atendeu, soube que era Petruccia. Fiquei atento a cada um dos seus movimentos até chegar seu dono, às oito.
Armageddon (para Vitor Guedes)
Sou o tipo de morto suburbano. No dia do Juízo Final serei despertado não por trombetas celestiais, mas pelo tonitruante caminhão da Cândida.
Tipo
Que magnífico é teu novo amado
bem melhor que o esperado
depois daqueles três sonsos
e daqueles outros três poltrões
de tirocínio limitado
Se me permites o reparo
seu maior defeito
são apenas dois: não ter
um fio de cabelo no cocuruto e parecer
ter uma peruca grisalha no peito.
bem melhor que o esperado
depois daqueles três sonsos
e daqueles outros três poltrões
de tirocínio limitado
Se me permites o reparo
seu maior defeito
são apenas dois: não ter
um fio de cabelo no cocuruto e parecer
ter uma peruca grisalha no peito.
Verso e anverso (para Silvana Appolinario)
Quando se trata de sentimentos, melhor ser vítima que algoz.
Estação Vergueiro
Eu tinha ainda tantas coisas doces a lhe dizer quando o metrô a arrebatou para levá-la aos braços de um homem de peito provavelmente cabeludo cujo conhecimento poético se resumia possivelmente à famosa batatinha esparramando-se pelo chão.
Prodígio (para Rose Marinho Prado)
O maior encanto de um poeta romântico está naquele pombo entusiástico que sempre sai do seu bolso quando ele finge precisar do lenço.
Intuições
Então, diante do hipocondríaco morto, começamos a nos lembrar de todas as ocasiões em que ele nos dizia sentir-se próximo da morte - algumas delas há trinta anos ou trinta e cinco.
Detalhe
De quantos mortos ainda hoje se fala mal por causa do intragável cafezinho de garrafa térmica servido no velório.
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
Uma pitada de Ian McEwan
"... o que há de patético na cena - um homem grande e de grande coração lutando por uma causa sem esperança com uma arma tão fora de moda como um soneto."
(De Enclausurado, tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras.)
(De Enclausurado, tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras.)
Lançamento
Não é verdade que todas as pessoas hoje são infelizes. Um poeta de setenta e nove anos vai lançar um livro sob o otimista título de Os 480 melhores sonetos de Polonius Varsovianski.
Coração (para Ana Farrah Baunilha)
Ela puxou a mão dele para o centro palpitante de suas coxas e disse aqui é meu coração. E ele soube que, ao contrário de todos, era um coração de seda.
Soneto do que pode um poeta (para Alfredo Aquino, Celina Portocarrero, Jiro Takahashi e Silvana Guimarães)
De um poeta nunca se sabe
O que se deve esperar.
Quem arriscar vai errar,
Um poeta em moldes não cabe.
Um poeta pode surgir,
Fazer um truque e depois
De fazer mais um ou dois
Dar-nos boa noite e sair.
Ou pode, estando em bom dia,
Esmerar-se na magia
E em três palavras dizer
Tudo, simplesmente tudo
Que a vida tem de conteúdo:
Viver, viver e viver.
O que se deve esperar.
Quem arriscar vai errar,
Um poeta em moldes não cabe.
Um poeta pode surgir,
Fazer um truque e depois
De fazer mais um ou dois
Dar-nos boa noite e sair.
Ou pode, estando em bom dia,
Esmerar-se na magia
E em três palavras dizer
Tudo, simplesmente tudo
Que a vida tem de conteúdo:
Viver, viver e viver.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Frustração
Se sou um poeta romântico, não sou tanto quanto gostaria. Se me sacudo, não esparramo pó de estrelas pelo chão.
De se lastimar
Há vinte anos eu era um tantinho mais passável. Perdi a chance de ser um defunto apresentável.
Soneto dos perdedores de sempre
Sabemos quanto nos custa
Toda batalha perdida,
Toda derrota sofrida,
Mesmo a que dizem ser justa.
Quem essa regra ditou
De que estamos destinados
A ser assim ultrajados?
Quem a isso nos condenou?
Desde o dia em que nascemos
Essa lição recebemos,
Querendo ou não receber.
Dão-nos instruções em vão.
Perdemos sempre, mas não
Aprendemos a perder.
Toda batalha perdida,
Toda derrota sofrida,
Mesmo a que dizem ser justa.
Quem essa regra ditou
De que estamos destinados
A ser assim ultrajados?
Quem a isso nos condenou?
Desde o dia em que nascemos
Essa lição recebemos,
Querendo ou não receber.
Dão-nos instruções em vão.
Perdemos sempre, mas não
Aprendemos a perder.
Contabilidade
Senhora dos mil pecados,
Nenhum hoje me traz pena,
Somente aquela centena
De pecadilhos frustrados.
Nenhum hoje me traz pena,
Somente aquela centena
De pecadilhos frustrados.
Mario Quintana (para Silvia Galant François)
Um punhadinho de Quintana
espalhado como se deve
ainda deixa Porto Alegre.
espalhado como se deve
ainda deixa Porto Alegre.
Apostila
A história se resume assim:
gosto da poesia
tremendamente, apaixonadamente -
mas ela nem tanto de mim.
gosto da poesia
tremendamente, apaixonadamente -
mas ela nem tanto de mim.
"Corrina, Corrina", de Bob Dylan
"Corrina, Corrina
Menina, onde você estava esse tempo todo?
Corrina, Corrina
Menina, onde você estava esse tempo todo?
Eu estava preocupado com você, amor
Amor, por favor volte pra casa
Eu tenho um passarinho que trina
Tenho um passarinho que canta
Tenho um passarinho que trina
Eu tenho um passarinho que canta
Mas eu não tenho Corrina
A vida não faz sentido
Corrina, Corrina
Menina, eu só penso em você
Corrina, Corrina
Menina, eu só penso em você
Eu estou com você na cabeça, amor
Eu simplesmente não consigo segurar o choro."
(De Bob Dylan - Letras (1961-1974), Companhia das Letras.)
Menina, onde você estava esse tempo todo?
Corrina, Corrina
Menina, onde você estava esse tempo todo?
Eu estava preocupado com você, amor
Amor, por favor volte pra casa
Eu tenho um passarinho que trina
Tenho um passarinho que canta
Tenho um passarinho que trina
Eu tenho um passarinho que canta
Mas eu não tenho Corrina
A vida não faz sentido
Corrina, Corrina
Menina, eu só penso em você
Corrina, Corrina
Menina, eu só penso em você
Eu estou com você na cabeça, amor
Eu simplesmente não consigo segurar o choro."
(De Bob Dylan - Letras (1961-1974), Companhia das Letras.)
domingo, 17 de dezembro de 2017
Correspondências
A todo grande homem uma glória grande
A todo suicida sucesso no final da vida
A todo prepúcio uma glande.
A todo suicida sucesso no final da vida
A todo prepúcio uma glande.
Processo civilizatório
Apesar de toda minha evolução
ainda não consegui superar
meus defeitos de fabricação.
ainda não consegui superar
meus defeitos de fabricação.
Melhor se pior (para Rose Marinho Prado)
Sou daquela espécie de homens que transformam um transtornozinho qualquer em calamidade, para se dizerem poetas e começarem a medir versos com seus dedos decassilábicos.
Hoje, na revista Rubem,
ofereço alguns biscoitos, alguns talvez crocantes.
https://rubem.wordpress.com/2017/12/17/soltinhos-e-talvez-crocantes-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2017/12/17/soltinhos-e-talvez-crocantes-raul-drewnick/
Uma frase de Alfredo Aquino
"Um lugar verdadeiramente perigoso, como se fora o Paraíso perdido, depois do desvio primordial."
(Do romance Carassotaque, Edições Ardotempo.)
(Do romance Carassotaque, Edições Ardotempo.)
sábado, 16 de dezembro de 2017
Odisseia à moda da casa (para Silvana Guimarães)
Em meio às tempestades
aos desastres e às vicissitudes
munido de loquazes falsidades
de parcas virtudes
e de meias-verdades
busquei meu porto
Errando por um roteiro torto -
tudo era sempre um pouco abaixo
ou um tanto mais acima -
cheguei no fim ao porto
mas por força da rima
quando cheguei estava morto.
aos desastres e às vicissitudes
munido de loquazes falsidades
de parcas virtudes
e de meias-verdades
busquei meu porto
Errando por um roteiro torto -
tudo era sempre um pouco abaixo
ou um tanto mais acima -
cheguei no fim ao porto
mas por força da rima
quando cheguei estava morto.
No limite (para Alfredo Aquino)
O maior feito que pode alcançar
um poeta de setenta
é chegar aos oitenta.
um poeta de setenta
é chegar aos oitenta.
Antiguidades
Arrastar um bonde por amor, beber leite com groselha ou dançar boleros de rosto colado são coisas que você não pode dizer ter feito se não tiver provas.
De Mariana Ianelli
"Cuidado, muito cuidado, abra o olho, não seja bobo, não vá dando assim de graça confiança, não se exponha a esse ponto. Se até um poeta já disse que a ingenuidade é louca."
(Da crônica "De pé no boulevard das misérias", do livro Entre imagens para guardar, Edições ardotempo.)
(Da crônica "De pé no boulevard das misérias", do livro Entre imagens para guardar, Edições ardotempo.)
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
Desonestidade
Em tudo venho ostentando a minha tristeza, como se fosse uma glória. Se for, é a única e a maior que tenho.
CV
Quem há de dar-nos valor?
Em tudo nós fracassamos
E em nada nos destacamos,
Nem na tosca arte do amor.
Hoje no portal do Estadão
Falo de um desses homens tão bons que é difícil acreditar que existam mesmo.
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/um-bom-sujeito/
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/um-bom-sujeito/
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
Proeza
Equiparar flores a ti
seria uma proeza
para aqueles poetas antigos
que sabiam lidar com coisas
como magnificência e beleza.
seria uma proeza
para aqueles poetas antigos
que sabiam lidar com coisas
como magnificência e beleza.
"Sopra no vento", de Bob Dylan
"Quantos caminhos há de um homem percorrer
Antes de se dizer que ele é um homem?
Sim, e quantos mares há de uma pomba branca navegar
Antes de adormecer nas areias?
Sim, e quantas vezes voarão as bolas de canhão
Antes de serem proibidas pra sempre?
A resposta, meu amigo, sopra no vento
A resposta sopra no vento.
Quantos anos há de uma montanha existir
Antes de ser levada pelo mar?
Sim, e quantos anos pode um homem existir
Antes do direito de ser livre?
Sim, e quantas vezes pode um homem virar a cabeça
E fingir que simplesmente não enxerga?
A resposta, meu amigo sopra no vento
A resposta sopra no vento.
Quantas vezes há de um homem erguer os olhos
Antes de poder ver o céu?
Sim, e quantos ouvidos há de um só homem ter
Antes de poder ouvir os gritos?
Sim, e quantas mortes há de haver antes de ele saber
Que gente demais já morreu?
A resposta, meu amigo, sopra no vento
A resposta sopra no vento."
(De Bob Dylan - Letras (1961-1974), tradução de Caetano W. Galindo, Companhia das Letras.)
Antes de se dizer que ele é um homem?
Sim, e quantos mares há de uma pomba branca navegar
Antes de adormecer nas areias?
Sim, e quantas vezes voarão as bolas de canhão
Antes de serem proibidas pra sempre?
A resposta, meu amigo, sopra no vento
A resposta sopra no vento.
Quantos anos há de uma montanha existir
Antes de ser levada pelo mar?
Sim, e quantos anos pode um homem existir
Antes do direito de ser livre?
Sim, e quantas vezes pode um homem virar a cabeça
E fingir que simplesmente não enxerga?
A resposta, meu amigo sopra no vento
A resposta sopra no vento.
Quantas vezes há de um homem erguer os olhos
Antes de poder ver o céu?
Sim, e quantos ouvidos há de um só homem ter
Antes de poder ouvir os gritos?
Sim, e quantas mortes há de haver antes de ele saber
Que gente demais já morreu?
A resposta, meu amigo, sopra no vento
A resposta sopra no vento."
(De Bob Dylan - Letras (1961-1974), tradução de Caetano W. Galindo, Companhia das Letras.)
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
O melhor
A maior inveja que nos causam os poetas é a presumida intimidade com mulheres, centenas, que ao vê-los se põem a dar gritinhos de ai, ai, ai, milhares, e a beijá-los antes, durante e depois de cada um deles.
Bons sujeitos (para Rose Marinho Prado)
Há defuntos que, como certos vivos, são incapazes de matar uma mosca
Cotação do dia
Sinto-me como uma mancha sobre o tapete que pode ser mencionada como um desmentido à reputação de zelo da dona de uma quadricentenária mansão.
Fração ideal
Não seria mau os poetas terem ao menos um décimo do misticismo que os leitores lhes atribuem.
Conselho talvez útil
A quem já não suporta viagens compridas, recomenda-se que não morra longe do cemitério.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
Assim (para Liberato Vieira da Cunha e Deonísio da Silva)
As vírgulas às vezes atuam em nós como certas mulheres: nos fazem perder o fôlego.
Condição
Tudo bem, pode me levar para a cama. Mas antes me diga algumas palavras românticas. As melhores que você souber.
Diálogo literário
"E então, como vão os livros?"
"Mal. Vendendo cada vez menos."
"Precisa descobrir qual é o problema."
"Isso eu já sei. São os leitores."
"Mal. Vendendo cada vez menos."
"Precisa descobrir qual é o problema."
"Isso eu já sei. São os leitores."
Haicai para os jovens
Se vocês querem um lugar ao sol
larguem tudo que vocês estão fazendo
e vão para uma escolinha de futebol.
larguem tudo que vocês estão fazendo
e vão para uma escolinha de futebol.
Desculpas
Que me perdoem todos aqueles com quem eu possa ter sido falso. Devem ter sido, muitas vezes, tentativas do bisonho poeta para esconder os defeitos do homem.
Basta (para Angela Brasil)
Chamar alguém de musa está dia a dia mais constrangedor. Nem os poetas têm mais o direito de ser assim ultrapassados.
No início
Alma era só uma palavra que inventamos.
Gostamos dela e passamos
A achar que tínhamos uma.
Gostamos dela e passamos
A achar que tínhamos uma.
No dia
No dia, você estará de olhos fechados e não notará a pobreza melancólica das flores nem a ausência dos amigos.
Não mais
Foi-se o tempo em que podíamos falar com os nossos botões. Hoje eles não querem saber de conversa.
Oi, pessoal
Eu poderia estar roubando, importunando, molestando. No entanto, o que faço? Escondo-me em casa e me mortifico. Queixo-me de tudo e anseio ser mártir, me crucifico. Grito. Grito. Ninguém acredita em mim.
Detalhe
Não sei, acho que as flores não estão combinando com a gravata - diz a mulher do morto à filha.
domingo, 10 de dezembro de 2017
Decisão
As licenças poéticas deveriam ser concedidas por uma comissão da qual participassem uma borboleta, um beija-flor e um bem-te-vi.
Os tolos (para Ana Martins Marques, Mariana Ianelli e Silvana Guimarães)
Os poetas que todos fomos
Morreram sem uma missa.
Fomos tolos, ainda somos,
Cremos ainda na justiça.
Morreram sem uma missa.
Fomos tolos, ainda somos,
Cremos ainda na justiça.
A poesia (para Maria Alice Prata)
A poesia ainda acende em mim, de vez em quando, uma luz, tão baça, tão envergonhada, tão coitadinha.
Final apoteótico
Lamentável é a oratória dos dias finais. Quem a vida toda foi para ali e para acolá começa a dizer que vai partir para o além,
Mea culpa
Tenho exibido minha tristeza
como se fosse uma cotidiana
uma costumeira uma rameira qualquer.
como se fosse uma cotidiana
uma costumeira uma rameira qualquer.
O significado
De uns tempos para cá, venho entendendo melhor aquela história de que o essencial é o primeiro passo. Sempre que vou subir uma escada, acho improváveis o segundo, o terceiro e os demais.
Ativismo
Estamos numa época de reivindicar direitos. Eu mesmo, pela idade que tenho, deveria contentar-me em respirar, mas vivo me queixando e pensando em petições e requerimentos.
sábado, 9 de dezembro de 2017
Recidiva (para Rose Marinho Prado)
Na aurora da minha vida
Eu quis ser poeta.
Às vezes tenho uma recaída.
Eu quis ser poeta.
Às vezes tenho uma recaída.
Assim (para Ana Farrah Baunilha)
Se pronunciada pelos lábios certos e com a umidade exata, a palavra amor dá à brisa a mornidão que faz escorrer seiva entre as pernas das árvores.
Paisagem (para Celina Portocarrero e Jiro Takahashi)
As árvores acalentam nas folhas a brisa, a lua cochila, o lago dorme. O silêncio prepara um haicai.
Aos borbotões
Escritores detalhistas são aqueles que não conseguem fazer um romance com menos de quatrocentas páginas.
Só o verbo
Bem, mal ou mediocremente, continuo a escrever. Podem advérbios influenciar quem julga fazer o que lhe cabe?
Velório
Ao morto e às flores, no seu peito, não importaria sair para beber a chuva que começa com uma trovoada que põe medo no rosto dos vivos.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
Ali mesmo
Eu estarei no metrô, como se fosse aquele dia tão distante e ainda houvesse esperança. Se me achares meio morto, não será uma falsa impressão.
A carne
Quem disse que a carne é fraca? Os que lidam com ela, no Brasil, andam tão em alta que passaram de magarefes a megarefes.
La verité (para Luiz Carlos Cardoso, Oswaldo Mendes e Regina Helena Paiva Ramos)
Falo isto com todos os efes:
Certos poetas parecem magarefes.
Escrevem coisas profundas,
Mas só pensam em coxas, peitos e bundas.
Certos poetas parecem magarefes.
Escrevem coisas profundas,
Mas só pensam em coxas, peitos e bundas.
Prodigalidade (para Silvana Guimarães)
Ainda escrevo. Por que não?
Não vou levar para o túmulo
Meu formidável acúmulo
De rimas em inho e ão.
Não vou levar para o túmulo
Meu formidável acúmulo
De rimas em inho e ão.
História
A espécie dos chatos é mais ou menos recente. Não há menção a ela, por exemplo, entre as sete pragas do Egito.
Burocracia (para Silvana Guimarães)
No balcão poético
o parnasiano pede segunda via
frente e verso
de sua cotovia.
o parnasiano pede segunda via
frente e verso
de sua cotovia.
Razão de viver (para Celina Portocarrero e Silvana Guimarães)
Ainda escrevo. Por que não?
Não vou levar para o túmulo
Meu formidável acúmulo
De rimas em inho e ão.
Não vou levar para o túmulo
Meu formidável acúmulo
De rimas em inho e ão.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Pronúncia (para Rose Marinho Prado)
A mulher se mata
para ser Cleópatra
e um apedeuta vem
e a chama de Cleopatra.
para ser Cleópatra
e um apedeuta vem
e a chama de Cleopatra.
Vingança
Ficarmos velhos é a mais eficaz de nossas represálias contra o menino que nos contaminou com tantos sonhos.
A chance
Se você nunca amou loucamente, perdeu a única oportunidade que a vida nos dá de sermos tolos por um bom motivo.
Fotogenia
Boas fotos são as em que apareço no fundo, quase conseguindo me esconder. As melhores são aquelas nas quais consegui.
Se fiz algo apreciável, está aqui, neste pedaço de terra que venho regando com lágrimas presumivelmente honestas. A Morte não é uma boa crítica literária, porque desde 2010 tem permitido esta tola atividade diária. Hoje ou amanhã atingirei 30 mil textos plantados aqui e, como alguns são transcrições de pecados pretensamente poéticos cometidos na juventude, posso dizer que neste blog está a minha vida inteira. Apesar de minha fama de casmurro, e até de misantropo, agradeço aos que me visitaram nestes oito anos. A casa continuará aberta enquanto eu tiver, ainda que dia a dia mais fraca, a esperança de que nasci para juntar palavras.
Cotação do dia
Você é lento, convenhamos, mas um dia acaba descobrindo que seu tempo de morrer, assim como o de viver, há muito já passou.
Sofá (para Aden Leonardo, Arlene Colucci, Arlete Franco e Tuca Kors)
Eu gostaria de ser um gato meio gorducho que só precisasse dividir o sofá com a dona da casa, uma loira que, se gatos falassem, eu chamaria de majestosa.
Mito (para Liberato Vieira da Cunha e Deonísio da Silva)
Não é verdade que coceira
Seja sinal de poesia.
Mas bem que poderia.
Seja sinal de poesia.
Mas bem que poderia.
Ela e eu (para Alfredo Aquino e Mariana Ianelli)
Perguntam-me como vai a literatura. Acredito que vá bem. Quem está mal sou eu.
Como ontem (para Vera Helena Saad Rossi)
Não tenho nada a dizer.
A falha não vem de agora.
Foi assim, também, outrora.
Só custei a compreender.
A falha não vem de agora.
Foi assim, também, outrora.
Só custei a compreender.
Quando necessário
Falo ainda de borboletas e de flores, quando noto que começam a não me achar tão poeta quanto me proclamo.
Requisitos
houve tempo em que o amor exigia dos súditos um coração sensível. Hoje dispensa a sensibilidade e, dependendo da conversa, dispensa também o coração.
Em cena (para Amauri Ernani, Paula Giannini e Veronica Stigger)
Em um, em dois ou três atos,
Viver é um teatro.
Morrer é ter atuado.
Viver é um teatro.
Morrer é ter atuado.
Lembrança
Lembro-me dela com aflição. Acho, hoje, que me faltou entender alguma coisa, talvez tudo. Pode ser falsa aquela impressão de que eu era um lacaio submetido ao jugo do amor. Pode ser que eu tenha sido mais do que isso. Já não importa. Foi como foi.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Estirpe
Diga-se, em honra dos cachorros que ela toda manhã leva para passear: nunca vi um deles regando um poste. São todos fêmeas.
A razão
Por que eu caí fora? Ora essa,
Ponham-se na minha pele.
Eu falava de Machado, Eça,
Ela falava de Zoë Heller.
Ponham-se na minha pele.
Eu falava de Machado, Eça,
Ela falava de Zoë Heller.
Em cena (para Amauri Ernani, Paula Giannini e Veronica Stigger)
Em um, dois ou três atos,
Viver é um teatro.
Morrer é ter atuado.
Viver é um teatro.
Morrer é ter atuado.
Lembrança talvez triste
Eu a conheci tarde,
Ela já não ouvia rock.
Estava na fase do baião
E do que mais se gabava
Era do nhoque com parmesão
Que com paixão preparava.
Ela já não ouvia rock.
Estava na fase do baião
E do que mais se gabava
Era do nhoque com parmesão
Que com paixão preparava.
Resumo (para Mariana Ianelli, Paula Giannini, Silvana Guimarães e Veronica Stigger)
Quisemos demais.
Não fomos deuses nem somos,
Apenas mortais.
Fizemos o que pudemos.
Os deuses fariam mais.
Não fomos deuses nem somos,
Apenas mortais.
Fizemos o que pudemos.
Os deuses fariam mais.
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
E se...
E se o chato que vive dizendo que só quer nos ajudar aparecer no momento em que estivermos subindo na mesa e ajeitando a corda no pescoço?
Tanca asinino
Entre ser e não
Se bate, move e debate
A minha razão.
Sou burro, sou mulo ou muar?
Eu zurro ou devo ornejar?
Se bate, move e debate
A minha razão.
Sou burro, sou mulo ou muar?
Eu zurro ou devo ornejar?
Melhor
Morrer de escrever é melhor que morrer de amor. Às vezes a família ganha uns trocados, depois de mexer nos arquivos e encontrar (quem diria) aquelas pornografias.
Tanca (para Celina Portocarrero e Jiro Takahashi)
Que nunca voltemos
A estar no mesmo lugar
No qual nos perdemos.
Estamos tão bem assim.
Que fim melhor almejamos?
A estar no mesmo lugar
No qual nos perdemos.
Estamos tão bem assim.
Que fim melhor almejamos?
Novidades parisienses
Que atencioso é o chato que todo dezembro vai a Paris e, quando volta, sempre marca um almoço, naturalmente em nossa casa, para mostrar em fotos como vem mudando a torre Eiffel.
Missão (para Celina Portocarrero, Inês Pedrosa e Marisa Lajolo)
Enquanto não se tornam
clássicos os modernistas,
aturemos os vanguardistas.
clássicos os modernistas,
aturemos os vanguardistas.
Previsão meteorológica
Se um chato abre o guarda-chuva dentro do cinema, pode-se esperar água - ou na plateia ou no filme.
Império (para Rose Marinho Prado)
O concretista ambiciona fazer um poema monumental, sobre o qual o sol nunca se ponha.
Passadismo
Chatos costumam ser saudosistas. A maioria deles ainda conta as piadas de papagaio que ouvíamos na infância.
Viagem (para Paula Giannini, Vera Helena Saad Rossi e Veronica Stigger)
Se eu fosse um personagem de Joseph Conrad, entraria num navio e no meio do oceano daria um jeito de saltar para dentro das ondas numa noite em que não houvesse nenhuma possibilidade de um tripulante ou passageiro se exibir gritando humanitariamente homem ao mar.
Pelo bem do povo
Um governo realmente sério deveria conceder adicional de insalubridade aos que são obrigados a lidar com chatos.
"Acalanto", de Yoji Fujyama
"Dorme tranquila...
Nada ouças a não ser
o passo macio do sono.
Fala mansamente à estrela
que chega e entrepara
junto do travesseiro.
Não a surpreendas com olhar
mesmo de esguelha.
Deixa que te fite e beije
curvando-se, no rosto.
Se te comoves e choras,
não importa. És jovem, te compreendo.
Um dia te lembrarás
tristemente, mas então
não saberás mais chorar.
Dorme tranquila, agora."
(Clube de Poesia.)
Nada ouças a não ser
o passo macio do sono.
Fala mansamente à estrela
que chega e entrepara
junto do travesseiro.
Não a surpreendas com olhar
mesmo de esguelha.
Deixa que te fite e beije
curvando-se, no rosto.
Se te comoves e choras,
não importa. És jovem, te compreendo.
Um dia te lembrarás
tristemente, mas então
não saberás mais chorar.
Dorme tranquila, agora."
(Clube de Poesia.)
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Ingratidão
Nunca nos lembramos de agradecer àquele amigo chato que, toda vez que lhe apresentamos o esboço de cada um dos nossos malsucedidos projetos, nos avisa: "Vai dar merda."
Ainda que pouco (para Silvia Galant François)
Se eu pudesse ter
ainda que só um bocadinho
daquilo que em Mario Quintana
havia tanto de passarinho.
ainda que só um bocadinho
daquilo que em Mario Quintana
havia tanto de passarinho.
Entrões (para Rose Marinho Prado)
Conforme vão se habituando à casa, fantasmas chatos começam a abusar e aparecem quando bem entendem, até no café da manhã, e pedem ovos com bacon.
Carinho
Os parnasianos alimentavam seus cisnes só com água de nuvens cor-de-rosa e farelos de ambrosia.
Modéstia (para Alfredo Aquino e Mariana Ianelli)
Na sua hora de morrer
diga palavras fáceis.
Deixe a retórica para os narradores
que falarão de você amanhã
se não quiser ser um morto
desses que por sua presunção
não merecem um verso
uma metáfora ou um chavão.
diga palavras fáceis.
Deixe a retórica para os narradores
que falarão de você amanhã
se não quiser ser um morto
desses que por sua presunção
não merecem um verso
uma metáfora ou um chavão.
A casa (para Ana Martins Marques e Silvana Guimarães)
Chamemos o Amor novamente.
Talvez seja essa a casa
Que vimos buscando milenarmente
E um de seus lacaios
Venha à porta com o uniforme
Que nos agradaria tanto vestir
E nos diga que sim, que
Nosso senhor está presente
E nos pergunte afinal por que
Chegamos tão tardiamente.
Talvez seja essa a casa
Que vimos buscando milenarmente
E um de seus lacaios
Venha à porta com o uniforme
Que nos agradaria tanto vestir
E nos diga que sim, que
Nosso senhor está presente
E nos pergunte afinal por que
Chegamos tão tardiamente.
"Orfeu", de Yoji Fujyama
"A lira soa: Orfeu canta.
Animais despertam como
se os tangesse a madrugada
e se entreolham, levitados.
As brisas de primavera
ainda dormem nas grutas
mas sorriem as ramagens
e entre elas, flores raras.
Até as fontes se calam
sob o musgo amanhecido.
Porém, homens e mulheres
cultivam seus desesperos
e ócios. Só Orfeu trabalha
a contínua solidão."
(Clube de Poesia.)
Animais despertam como
se os tangesse a madrugada
e se entreolham, levitados.
As brisas de primavera
ainda dormem nas grutas
mas sorriem as ramagens
e entre elas, flores raras.
Até as fontes se calam
sob o musgo amanhecido.
Porém, homens e mulheres
cultivam seus desesperos
e ócios. Só Orfeu trabalha
a contínua solidão."
(Clube de Poesia.)
domingo, 3 de dezembro de 2017
Dois em um
Por ser imenso meu amor, eu tenho dois corações passionais: um é alucinado pelo Corinthians, o outro é ainda mais.
Oito ou oitenta
Os frasistas estão obrigados a ser geniais. A reputação dos que não são é idêntica à dos decifradores de palavras cruzadas.
Cotação do dia
Talvez por ser domingo, acordei com um pensamento intoleravelmente otimista: pode ser que eu seja um pouco menos insignificante do que imagino.
Pretexto
Tantos anos, tantas décadas, e você ainda não arranjou desculpa melhor para a sua infelicidade? Ninguém sabe o que é literatura.
Vezes cem
Se um chato nos faz cem visitas, precisamos lhe explicar cem vezes que nosso gato se chama Ludwig em homenagem a Beethoven e cem vezes quem foi Beethoven.
O que é (para Paula Giannini e Veronica Stigger)
Escrever não é só escrever. Mas também não é muito mais do que isso.
Onisciência
Perguntar a um chato se conhece determinado assunto é cometer a gafe de desconhecer que ele conhece todos.
Naturalmente
É de um chato, naturalmente, a voz que no meio da festa pergunta: "João, você sarou das hemorroidas?"
sábado, 2 de dezembro de 2017
Impressão
Receias morrer? Esquece.
Não te habituaste a viver?
Morrer talvez possa ser
Mais fácil do que parece.
Não te habituaste a viver?
Morrer talvez possa ser
Mais fácil do que parece.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
De Lima Barreto, sobre a literatura
"O fim da minha vida é as letras. Eu não peço delas, senão o que elas me podem dar: Glória."
(Do livro Triste visionário, de Lilia Moritz Schwarcz, Companhia das Letras.)
(Do livro Triste visionário, de Lilia Moritz Schwarcz, Companhia das Letras.)
Da turma
Se um homem para diante de uma árvore e se põe a olhar para cima, ela e os passarinhos não têm dúvida: é mais um dos poetas do bairro.
Observador
O chato está sempre disposto a reconhecer os erros alheios e a apontá-los - de preferência em público.
Questão de direito
Os direitos dos chatos deveriam terminar onde nossa aporrinhação começa a espumar de raiva.
Hipótese
Os chatos têm ocupado tanto meu tempo que eu já deveria estar refletindo sobre a hipótese de haver entre mim e eles cartas afinidades.
Personalidade
Um chato seguro de si já nem nos avisa quando vai começar a cantar aquelas músicas do Roberto Carlos.
Modéstia
A modéstia impede alguns chatos de assim se reconhecerem, embora lhes asseguremos todo dia, com nosso rosto contrariado, que são, sim, e como!
Recurso
Se, tendo escrito uma frase que lhe pareça filosófica, ela for recebida com indiferença, diga que ela é de Confúcio e depois me conte.
Autoajuda
Que toda jornada, mesmo a mais longa, começa com o primeiro passo e termina com o último é um dos ensinamentos que eu teria aprendido com a autoajuda, se não o houvesse aprendido antes.