quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Tanca (para Jiro Takahashi)

Que bênção sentir
Do sono o morno abandono,
Que doce é dormir.
A paz gozemos, enquanto
O encanto não se desfaz.

Glória

Poetas medíocres e velhos, como eu, julgam que viverão ainda muito mais e semeiam um futuro de obras-primas.

Projeção

Espírito avançado, já pensa em quem será na próxima encarnação.

Incumbência

Dar nome aos bois é uma questão pecuária ou de nomenclatura?

Guichê

Os piores adjetivos são os que atuam como se fossem fiscais alfandegários. Não deixam passar um substantivo sem carimbá-lo. Tudo em pelo menos três vias. Plaft, plaft, plaft.

Cisma

Muitos leitores ainda desconfiam de poetas que conseguem ganhar vinte centavos além do indispensável para sobreviver.

Saudosismo

A nova ortografia já anda velha, como todas as outras, e eu ainda não me resignei a aceitar a supressão do hífen em certas palavras. Em dona de casa, por exemplo. Do jeito que ficou, eu a imagino uma mulher resoluta pendurando na fachada uma placa de aluga-se ou de vende-se - e não, como antes, dando de beber às rosas no jardim

Obviedade

Tantas vezes vai o jarro à fonte que um dia perde a conta.

A vampira

Vejo o rosto corado dos jovens escritores e imagino como a literatura, aquela puta velha, gostará de beber o sangue de cada um deles.

Modéstia

Chegou a pensar em um galho mais alto ainda. Mas, receando parecer presunçoso demais em seu último ato, atou a corda.

Lance

Apostei tudo na minha melancolia. Amadores não deveriam frequentar cassinos.

Marinha

Se houvesse mar perto, eu poderia me aproximar uma noite e caminhar para dentro dele com tanta leveza e astúcia que suas ondas já não pudessem me recusar quando ouvissem meus últimos gemidos.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Sala

Desde que o gato se foi no caminhão de lixo, acomodado como um presente na caixa de sapatos, o homem afaga o sofá na parte esfiapada que lhe marca ainda a presença.

Crepúsculo

A ideia de morte pousa em mim toda tarde, como uma borboleta na ameixeira.

Conceito

Dizem que exprimir a beleza não é mais a principal atribuição da arte. E eu, com decepção e ressentimento, descubro que durante seis décadas andei honestamente por um caminho errado.

Tecla

Avisaremos ao amor que nunca mais, nunca mais mesmo, e ele sorrirá: é o que você me diz desde os dezoito anos, lembra?

Atualização

São Paulo é a terra da garoa e do Corinthians.

Amigos,

boa terça. Que ela se apresente a vocês como se fosse um domingo, e que vocês acreditem nela.

Modo de agir

Mande-lhe flores, todos os dias, e ela agradecerá com enfado. Deixe de enviá-las por uma semana e me diga se no oitavo dia ela não lhe perguntará por elas.

Prudência

Porque conhece o obstinado sentimento de propriedade do gato, é só quando este retoma uma de suas sonecas que o sol se deita ao lado dele no sofá.

Recado

Está na hora de dizer ao Amor que ele já não precisa se preocupar. Pode confiar em nós. Somos tolos desde o dia em que ele nos escolheu.

Quando foi

Não lembro mais em qual estação morri - se na primavera, se no inverno, se na Consolação, se na Vergueiro. Nos velhos tudo é fraco - incluindo a memória.

Primazia

Não nos entusiasmemos com o nosso futuro. Os mortos sempre terão a vantagem de haver chegado mais cedo.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O dia

Os amores de ontem só satisfarão seu ressentimento quando virem, em corpo seis, nosso nome na seção de falecimentos.

Escala social

Nunca merecerei perdão. Sou daquele tipo de lacaio amoroso que bebe todo o veneno do patrão, para incriminá-lo.

Rodízio

Acho que alguém anda me assumindo quando durmo - alguém tão melhor que, nos meus sonhos, tem havido lugar para uma alegria com ar de felicidade.

Vício

É hoje um velhote que ronda todas as noites a lanchonete para compartilhar a volúpia com que as estudantes, quando saem do cursinho, mordem o pão do qual escorre deliciosamente o queijo.

Ponto de vista

O amor romântico
depende acima de tudo
de um viés semântico.

Imposição

A voz dela é áspera quando ela ordena pela segunda vez que ele pare com as desculpas e venha para a cama. O ar se embriaga de rum. Ele se sente como uma donzela cujo barco vai ser tomado por um navio pirata.

Só o importante (para Rose Marinho Prado)

O parnasiano não se preocupa em descobrir a essência da vida. Aceita-a como ela é e cumpre a função de ornamentá-la.

Sobre gravitação

O girassol é uma poética contradição astronômica.

Coerência

Sou medíocre em tudo, até em minha mediocridade.

Cartada

Assim como a dos vivos, a notoriedade dos mortos depende às vezes de um lance fortuito, como estarem no último de seus dias entre os hóspedes de um resort atacado por guerrilheiros.

Ribalta

A mais teatral de todas as frases: morrer  é sair de cena.

Esclarecimento

Não, alegoria não é o modo de pronunciar alegria no bairro da Liberdade.

Símile

A internet é a versão moderna da caixa de Pandora.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Tilte

Desafortunada sorte é a minha:
ligo para ela, ligo,
e tem sempre boy na linha.

Suprassumo (para Deonísio da Silva)

Se fosse Shakespeare quem tivesse criado o mundo, e não Deus, a vida seria como deveria ser sempre: pura arte.

Fim

Estou naquela fase em que me deixaria enganar prazerosamente por qualquer falsa verdade.

Retrato

Não me elogiem pelo que escrevo. Por mimos e aplausos, pela aceitação alheia, pelos vivas das plateias, a criança viciosa que sempre fui se transformou no mais asqueroso dos seres. Lambo qualquer mão por uma nota seis.

Lapso (para Cida Damasco)

Acordei e levei meio minuto para lembrar que o domingo foi ontem, Corinthians.

Cotação do dia (para Ana Clara Piai)

Mandem-me um alô de vez em quando. Talvez ainda me achem por aqui.

Na revista Rubem

Hoje exponho mais alguns exemplos de minha dispersão, ora falsamente alegres, ora verdadeiramente tristes. Pedras de uma desastrosa construção literária.
https://rubem.wordpress.com/2018/02/25/chatos-e-outros-tipos-raul-drewnick/

O final

Quem se alimenta de veneno, porque julga isso benéfico à sua arte, morre tão repugnantemente seco que as formigas mudam o rumo e esperam três chuvas antes de voltar.

O de sempre

Um erro comum a quase todos os escritores é a tendência de se considerarem superiores aos outros homens. Só no fim da vida descobrem que foram sempre escravos, quando se imaginavam reis de suas plateias.

1/2

Por uma das tantas tolices das quais não consigo me livrar, tenho sido metade homem e metade menino. Essa anomalia, causada por uma falsa vocação literária, não diminuirá nem o tamanho nem o preço do meu caixão.

Geração espontânea

As melhores frases costumam dar a impressão de que se formaram por iniciativa própria das palavras,  num momento de descuido do escritor.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Similitude

Não, meu caro amigo. Artesão não é uma brisa no cio.

Ressalva

A felicidade autoimposta é o mais legítimo dos despotismos.

Canoridade

O poeta caudaloso abre os janelões matutinos e lança suas aliterações: bom dia, belo e bravo Brasil!

Valor

Sou mouco pelos ensurdecedores méritos dos meus fracassos.

Para o Xico Sá

Dever diário: abrir a janela e ver se ainda há Brasil.

Autoconhecimento (para Rose Marinho Prado)

Tenho, quando se trata de mim e de meus fracassos, uma experiência insuperável.

Consciência

Ninguém sabe, melhor do que eu, a droga de homem e artista que sou.

A mesma

Eu gostaria de exibir, na vida e na arte, a persistência que têm os crentes quando tocam aos sábados minha campainha.

Cotação do sábado (para Rose Marinho Prado)

Estou bem, tanto quanto pode estar quem já não tem esperança nem na vida nem na arte. Resumindo: continuo respirando - às vezes com admirável eficácia.

Cotação do dia

Sinto-me hoje tão protagonista quanto um frango numa natureza-morta.

Prudência

Quando os geocentristas começaram a manifestação na Paulista, o sol já estava fugindo pela Consolação.

IR

A literatura tem sido uma razoável justificativa para a penúria de minha declaração de bens. Quando digo que sou ou presumo ser um poeta, causo tamanha consternação que às vezes chego a crer que alguém finalmente me oferecerá auxílio.

Um

Ninguém me perguntou
mas se eu fosse escolher um
acho que seria o drummond.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Proporção

Sou um desses homens que, por amarem fracassos monumentais, só projetam sonos irrealizáveis.

Fugacidade

Depois dos dezoito, todos os anos são como o pó que vai se juntando na sala, sobre a foto do rapaz tirada numa gloriosa manhã da qual o velho sentado no sofá não se lembra mais.

Uma

Todo poeta deve ter ao menos uma virtude que o diferencie dos outros. A simplicidade, poe exemplo.

Cotação do dia

Sou um morituro cada vez com menos tempo de melhorar a biografia.

No Estadão hoje

Falo de esperança, talvez com algum conhecimento de causa.
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/a-palavra-e-esperanca/

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Vícios verbais

Vai descobrindo que o que há nele, ainda, é um sexo vocabular. Certas palavras se reúnem, aparentemente sem nenhum propósito, e acendem em sua memória outras com as quais outrora mantiveram relações noturnas. Tudo começa como se fosse um encontro anual de verbos com adjetivos e advérbios. Ele fica ouvindo a conversa com crescente dificuldade, porque tudo aos poucos passa a ser dito em sussurros e entre risadinhas. Mas sempre acaba notando que algumas palavras se alvoroçam também dentro dele e rapidamente atingem a exasperação do cio, clamando pelas outras com a voz rouca dos possuídos.

Adequação

Depois que ele passou a morar na rua, nos seus sonhos eróticos aparece algumas noites uma mulher que faz pingar leite de suas imensas tetas num miolo de pão que depois vai lhe oferecendo, pedacinho a pedacinho, para que ele não se afogue em sua fome.

Reprise

Como ontem, os latidos da cachorrinha se aproximam. Ele está no mesmo banco da praça e espera que, como ontem, ela pare e, depois de lhe cheirar as meias, se deite sobre seus pés. E que, com o mesmo suspiro de censura à cachorrinha, a mulher jovem e atlética se sente ao lado dele e, ao pegar a garrafa de água, encoste o cotovelo no dele e o mantenha ali com uma intensidade e uma duração que ele ontem julgou um tanto excessivas e gostaria de ver hoje confirmadas.

A sequência

Nos seus sonhos há cada vez mais personagens, atraídos pela crescente luxúria. Há cada vez mais quartos também, e banheiras. A nudez ensaia danças eróticas, e a música, a cada noite mais alta e aguda, parece incitar serpentes ao gozo. Ele conta isso, e o psicanalista, com atenção exemplar, pergunta: e depois, e depois?

Tudo

A duquesa era ávida, voluptuosa. Já na segunda noite em que entrou num dos sonhos dele, ela mordeu seus lábios antes de beijá-los e, falando um surpreendente português, avisou: "Desta vez eu não vou aceitar vacilo. Vamos fazer tudo." E pôs-se a mordiscar sua orelha como se orelha não fosse.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Ainda

Continuam a excitá-lo palavras salgadas,
Sente-as ainda hoje quando as enuncia -
Não mais sexo, umbigo, axilas,
Agora azeitonas, rissoles, empadas.

Significados

Descansar perenemente não é eufemismo de morrer; é um insuficiente substituto.

Recorrência

Quase toda madrugada sonha com duquesas, princesas, rainhas. São inglesas, suecas, dinamarquesas. Loiras, todas, e longilíneas. Movem-se lentamente na direção dele, parece que nunca vão chegar, porém chagam sempre e, antes de se deixarem abraçar, dizem duas ou três palavras que ele jamais compreendeu mas o levam a responder que sim, sim, sim, enquanto se concentra mais uma vez para gozar tudo que pode proporcionar uma loira longilínea, europeia e nobre.

Com moderação

Se for para mim, não é preciso que te dês inteira. Deixa que eu te imagine no auge salgado de tua luxúria, como um lacaio repentinamente posto sob o domínio e os favores de uma duquesa.

Lembrança

Dizias vem e era como se me nomeasses rei e me chamasses para ocupar teu território.

Total

Que estupendas
são tua alma
e tuas partes pudendas.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Soneto do parco aprendizado

Por mais que nos fira e doa,
Que nos maltrate e atormente,
Nós civilizadamente
Achamos que a vida é boa.

Felizes nós nos dizemos,
Repetimos, insistimos,
Nossa mentira construímos
E nessa mentira cremos.

Macaquinhos amestrados,
Assim fomos ensinados,
Já não podemos mudar.

Tantas coisas nós sabemos,
Mas ainda não aprendemos
A arte de nos enforcar.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Para petizes

Joguei no riozinho
minhas rimas em inho
e no ribeirão
minhas rimas em ão
as em inho foram para o fundinho
as em ão para o fundão.

Falsa honraria

Musa, eis uma palavra e uma condição que as mulheres já não aceitam. Estão certas. Quantos Camões, quantos Dantes, quantos Petrarcas há por aí?

Demais (para Milton Leite e Maurício Noriega)

Quando a vida chega à etapa da prorrogação e dos pênaltis, não sabemos mais o que nos move nem o que nos moveu.

Patética

Minha melancolia soa como uma sanfona dos anos 1960.

Barafunda

Um capadócio
chamado lúcio
confundia labor com ócio
iníquo com justo
e precípuo com prepúcio.

O óbvio

Morrer é simples:
é aquilo que ocorre
com quem morre.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Argh

O tenente e o subtenente
atiram contra o capitão
palavras de baixo escalão.

Pliniomarquices (circa 1960)

Delícia era falar
em altíssimo  e boníssimo som
palavras de baixo calão.

Aviso na fonte

Só é permitida a entrada de cântaros cadastrados.

Hoje no portal do Estadão

http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/a-visao-dos-perdedores/

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Ciclo

Os modernistas de ainda ontem
e suas neologias
hoje mofam nas antologias.

Ao vento

No alto da torre de babel
sem esperança pia
uma algaravia.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quites

Tudo está como está
desde o primeiro dia:
a poesia não me mudou
nem eu mudei a poesia.

Ciclos

Os modernismos nos livram dos velhos
para nos submeter
aos novos despotismos.

Questão de gosto

Os sorumbáticos preferem os arcos-íris monocromáticos.

Soberba

Presunçosos são os adjetivos. Juntam-se três ou quatro em torno de uma rosa e julgam que a definiram, enquanto zombam deles os bem-te-vis.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Um desses seres

Se lhe aparecer um desses seres tristes que dizem ser escritores, você há de saber como lidar com a situação, se você for um editor. Se não for, que Deus se compadeça de você quando ele se oferecer para falar de cada um dos cento e oitenta contos que compõem seus dez livros, naturalmente inéditos.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Dignidade final

Nos últimos anos, as doenças comeram o poeta aos poucos. Os amigos, tão velhos e também presumidamente poetas como ele, não se queixaram ao carregar-lhe o caixão e louvaram, além da sua escassez de carnes, o rosto completamente isento dos traços da vaidade que havia motivado tantas querelas entre eles.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Etapas

No caminho do silêncio
a concisão
é a penúltima estação.

Hoje na revista Rubem

reúno frases tão curtas que, juntas, não dariam a volta em um formigueiro.
https://rubem.wordpress.com/2018/02/11/curtas-para-nao-aborrecer-raul-drewnick/

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Belchior

Entrem por favor
podem entrar
se gostam de bolor
aqui é o lugar
exato do pretérito

Nesta sala reuni
meus diplomas
minhas honras ao mérito
minha terceira colocação
em avanhandava
e a quarta em piracicaba

Entrem por favor
fiquem à vontade todos vocês
aqui não há nada inovador
aqui se respeita o burguês
nada meu foi escrito
segundo o que foi prescrito
por mário por oswald
e por carlos drummond de andrade.




sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Eternidade

Nada de novo sob o sol:
todos os dias foram
e serão sempre um só.

De Juan Carlos Onetti sobre o amor

"Pega-o traiçoeiramente, como algumas mortes. E nada mais pode ser feito, nem espernear nem tentar destruir. Porque não se sabe se é uma coisa que o acertou de fora ou se já a levava adormecida dentro de você, que chegou a pensar que estava morta para sempre. E então o que acontece? Pois você a levava dentro de si e sem nenhum aviso ela salta e se derrama por todo seu corpo e é preciso aceitar e, o que é pior, alimentá-la e fazer com que suas forças cresçam a cada dia, e obrigá-la a fazê-lo sofrer ainda mais."
(De 47 contos de Juan Carlos Onetti, tradução de Josely Vianna Baptista, Coleção Folha de . Paulo.)

Precocidade

Da ficha do jovem poeta consta que é culpado de meia centena de quadrinhas  e de pelo menos uma dezena de tentativas de soneto.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Dos sonetos

De certos presentes que nos deram, guardamos hoje só um fitilho, um enfeite externo da embalagem, o papel de seda dobrado e posto no fundo da gaveta. Assim também costumam ser os sonetos, quase todos os que lemos. Deles ficam um verso, uma rima feliz, um som, um ritmo, alguma coisa que mesmo as caixinhas baratas de música oferecem. Ah, Shakespeare, ah, Camões. Com que demônio vocês fizeram o pacto?

Atitude

Se for para ser controverso,
que eu seja nunca em prosa
e seja sempre em verso.

Sem trégua

Minha vaidade literária morre de fome mas não reconhece o fracasso e recusa o pão que lhe enfiam pela fresta da porta.

Chique

Um chato com cultura
quando tira férias
diz estar em vilegiatura.

CLT

Dos fantasmas do casarão
um bissexto falta sempre com
e sem nenhum pretexto.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Declaração de princípios (para Paula Giannini, Vera Helena Rossi Saad e Veronica Stigger)

Eu sou um poeta antiquado,
Dos que guardam ainda estima
Pelo metro, pela rima,
Pelo estilo alambicado.

Foi Bilac quem me gerou,
O que esperavam de mim?
Só consigo ser assim,
Só posso dar o que dou.

Posso escolher mal os temas
Nos quais assentam meus poemas,
Mas meus versos têm bom som.

Se veem neles defeitos
E querem poemas perfeitos,
Vão procurar  o Drummond.

224ª

Depois do sexto mês, o amor começa a se tornar monótono como uma citação bíblica feita pela ducentésima vigésima quarta vez por um pregador inábil.

Épocas

Assim como os novos, os poetas antigos não entendiam nada de amor, mas fingiam melhor.

Fidelidade

A culpa é um dos poucos sentimentos que nos acompanham até o dia de nossa morte.

Bens

A penúria poética que tenho eu a conquistei honestamente, com o inútil suor do meu corpo e a incapacidade juvenil de minha alma.

Body and soul

Você respira ainda
e ainda que com dificuldade
você anda ainda
e ainda ouve
e ainda vê

Goze esses gozos animais
e deixe para quem
saiba melhor gozá-los
os inexcedíveis gozos
dos prazeres espirituais.

Literalidade

Notou que tinha metido os pés pelas mãos quando o esquerdo e o direito já estavam entalados na cumbuca.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Numa boa (para Ana Farrah Baunilha)

Se tivermos que entender de alguma coisa, que seja  álgebra, trigonometria. Que o amor fique sossegadão, na rede, descuidado, vulnerável e esperançoso.

Desalento

Nem nos sonhos encontra mais consolo. Foi no mês passado a última vez em que recebeu o Nobel. Lembra-se de que chovia em Estocolmo.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Soneto das contradições do amor

O amor é júbilo, é chama,
Estreito entrelaçamento
Da carne e do pensamento
De quem ama com quem o ama.

O amor, num mesmo argumento,
Numa só e única trama,
Faz da comédia e do drama
Um só duplo sentimento.

Plural na sua unidade
E uno na diversidade,
Se nele nós temos fé,

O amor, sendo nada e tudo,
É sempre também, contudo,
Nem mais nem menos do que é.

Bênção

Estamos vivos, e escrevendo. Não será para isso, certamente, que a manhã nasceu tão luminosa hoje, mas quem poderá garantir quais são as intenções do sol?

Penduricalhos

A poesia às vezes provoca, em quem a faz, a tentação de colocar-lhe um vestidinho melhor, um brinco, uma desas bijuterias que tentam justificar-se como refinamentos de estilo.

Números

Estatísticas mostram que só os acrósticos são mais execrados que os sonetos.

Estilos

Ler Quintana é ter a impressão de que poesia é uma questão só de jeito, como aquele que os passarinhos mostram ao voar.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

O ideal

Morrer é bom repentinamente
sem tempo para análises
e tergiversações.

Segunda época

Um burro velho como eu
pode ainda aprender poesia
se até hoje não aprendeu?

Na calçada

Esparramar na esquina todos os poemas que escrevemos, desde aquele primeiro, de 1950 e nada, e deixá-los colher o que sempre mereceram: o desdém. Que sejam pisados, chutados, tangidos pelo vento para os bueiros, e que não os entupam com sua viscosa mediocridade.

Fofocas

Os leitores costumam gostar de lamúrias e confissões, desde que o poeta se abstenha de fazê-las em versos.

As três palavras

O padre, loiro, alto, forte, corado como um sueco, chega para a extrema-unção. O moribundo abre os olhos, de repente verdíssimos como eram na juventude. Murmura três palavras. Os parentes supõem ouvir: Deus do céu. O padre ouve: finalmente o Nobel.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Tamanhos

Dos maiores autores se diz que têm um universo. Dos médios, que têm um mundo. E dos menores, aqueles que são em todas as épocas novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e oito em um milhão, se dirá que têm o quê? Uma vila, um vilar, um vilarejo?

Parente não vale

Você vive para escrever, você se esfola, você se destroça, você se mata, e para quê? Alguém mais sabe que você é escritor?

Anticasmurrice (para Alfredo Aquino, Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

Capitu hoje e Bentinho
Se uniriam a Escobar
Num hotel ou motelzinho
Para um bom ménage à trois.

Probabilidades

Você pode até se destruir escrevendo. Muitos já conseguiram. Mas o normal é não acontecer nada.

Empecilhos

O primeiro passo para quem quer escrever frases curtas é livrar-se dos advérbios de modo. Impiedosamente.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Arquétipo

Se Deus fosse poeta, seria um parnasiano de monóculo.

Sangue

Com que atenção um parnasiano lê o soneto de um rival. É leão farejando caça. Em dois quartetos e em dois tercetos há de se dar um vacilo de métrica, uma pobreza de rima. E então...

Carapuça

Os poetas somos assim:
abominamos quem a tem
mas construímos também
nossa torre de marfim.

Hoje no Estadão

Falo de palavras simples que podem repentinamente transformar-se em mantras.
http://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/oi-boa-noite/

Índole

Cada um com seu modo de ser.
Uns são indolentes,
Outros são impacientes,
Eu apodreci antes de amadurecer.

Figuras

Os poetas antigos tinham um ar melancólico, apático, certo physique du rôle. Para completar o tipo, alguns levavam no casaco um ou dois poemas, geralmente sonetos.

Efeméride

A geração de 1945 com muito custo chegou a 1946.

Poesia social

Que movimento vamos fazer
que revolução iremos proclamar
se não sabemos quem combater
se não há mais burgueses a espantar?

Questão de princípios

São centos os meus pecados
todos cabeludos e arreganhados
transo sem camisinha
topo em pé de ré chupetinha
mas não peça meu amor
nem pense por favor
que eu faça versos rimados.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Razão de ver

Curitiba sem o Vampiro
É como revólver sem tiro.

Preposições

a ante até após adiante
segundo trás mediante
em brasília até quem não é
parece meliante

Porções

Um verso qualquer um faz. Uma ode, só quem pode.

Atualização

Não mais o ramo de oliveira.
O que a pomba hoje no bico nos traz
É uma bomba de fabricação caseira.

Resumo

Escrevo mal desde 1960
E talvez até antes.
Fora disso, se alguma coisa acertei
Foi sorte de principiante.

Sorte

Na xavier de toledo
dez anos atrás
achei dez reais
que alguém perdeu mais cedo.

Patrimônio

A última coisa séria
que o brás produziu
foi lourenço diaféria.

1922

Era a época da vertiginosidade.
Diziam olha lá o mário o oswald de andrade
E enquanto a gente perguntava onde onde
Eles já tinham sido levados longe
pela velocidade do bonde.

Cantiguinha

Um andrade juntou-se a outro andrade
& por não terem o que fazer
inventaram a modernidade.