Não se alegre tanto assim,
Tudo pode acontecer.
Pensou se você morrer
E morrer não for o fim?
É precavido. Notando que chegou a época de babar na gravata, foi à loja e comprou meia dúzia.
Castelo de areia e torre de marfim foram não mais do que metáforas até o surgimento dos poetas concretistas.
Na autobiografia, o poeta sonetoso atribui sua métrica impecável à habilidade que ganharam seus dedos nos anos em que, para sustentar seus cisnes, trabalhou como caixa em um banco.
Esta madrugada, acordei sacudindo-me todo, como fazem as aves antes de voar. Cheguei a pensar que conseguiria, mas logo a esperança se foi e voltei a ser um homem triste deitado no escuro.
Certas madrugadas, venho escapando de mim e me vejo movendo os braços com uma agilidade e uma força que há muito eles não têm. Não ouço nada, nenhuma nota, nenhum som, mas sou um maestro fustigando, açoitando, chicoteando o ar, regendo com a furiosa paixão que Mister Parkinson injetou em meu sangue.
O lugar mais adequado para um sofá há de ser aquele em que ele melhor possa acolher a preguiça vespertina do sol e do gato da casa.
Que nome tem quem te maltrata,
Que aristocrático som!
Nome nobre,
De diplomata,
De figurão.
Que inveja saber que quem te mata
Não é um papanata,
É mister parkinson.
Por trilhos retos ou tortos
Nós havemos de chegar.
Logo estaremos tão mortos
Quanto um morto deve estar.
Aquilo que ontem belo parecia
E duradouro a nós se afigurava
Seu verdadeiro ser não nos mostrava
E sua face real nos escondia.
Quem, parvo como nós, suspeitaria
Como era tolo o que nos encantava,
Como era frouxo o que nos sustentava
E como era fugaz nossa alegria?
Tudo nosso era, já, morrer e ruir,
Mas nós ainda insistíamos em rir
Nosso riso vulgar e inconsequente
Como se continuasse a vida a ser
Um poema lindo que se pode ler
No álbum florido de uma adolescente.
As palavras, principalmente as mais belas e essenciais, continuam me abandonando. Com quantas poderei ainda contar amanhã, depois de amanhã, daqui a um mês ou um ano? Adulo saudade, bajulo horizonte, afago mar. Amor eu adulo, bajulo e afago. Que seja ela a última a me deixar.
Ontem, na hora do almoço no asilo, seu Jarbas disse que tinha acabado de ver Jesus no jardim. Entretidos em tomar a canja, os outros velhinhos não lhe deram atenção. Ele tentou de novo, mas a única resposta que continuou a ter foi o ruído dos lábios sorvendo o caldo. Então ele encheu também a colher, mas antes de levá-la à boca resmungou: na próxima vez que eu encontrar Jesus, não vou contar a vocês.
Que nós nos entreguemos ao amor,
Que nós nos demos a ele inteiramente,
Que nós nos submetamos plenamente,
Como um servo se entrega ao seu senhor.
Possamos sempre, para bem servi-lo,
Manter a nossa mente preparada
Para jamais nós lhe negarmos nada
E dar-lhe isto, e dar-lhe isso, e dar-lhe aquilo.
Que nos imponha sempre submissão
E nunca venha a nos pedir perdão
Por nos levar assim a venerá-lo.
Se alguém pedir perdão, sejamos nós,
Porque devia ser de rei a voz
Que o celebra, e não esta, de vassalo.
As palavras vão abandonando o velho poeta. A cada dia há mais coisas que ele não consegue nomear. Receia que chegue um momento no qual, diante de um arco-íris, precise perguntar a alguém de que se trata.
Um leitor admirou-se quando mencionei os quatrocentos sonetos que escrevi. Como não os contei, o número é um cálculo, apenas, e talvez subestimado. Não estranharia se eles fossem quinhentos. Estão aqui, para quem porventura se animar a lê-los. O acesso a eles é simples. Basta digitar na janela do arquivo, no alto, as palavras Soneto da e se abrirá uma sequência deles. Quando esta terminar, digite-se Soneto das; depois, Soneto do; em seguida, Soneto dos. A lista se completará com Soneto de, Soneto em e Soneto que. Receio que eles, no conjunto, representem uma demonstração mais de teimosia que de senso artístico. Por isso, peço desculpas antecipadas a quem se dispuser a aceitar o convite.
Toma os remédios com regularidade. Malha de manhã, corre à tarde. Quando a hora chegar, ninguém poderá acusá-lo de entregar à Morte um produto de baixa qualidade.
Enquanto ele, no velório, fixando os olhos furtivamente na exuberante viúva, pensava na má sorte do defunto, chegou da rua o som de uma batida de carros e uma voz irada o atingiu: filho da puta.
Não sei dizer há quanto tempo anda comigo, respira meu ar e dorme em minha cama o assassino que me fere e me matará. Vocês o conhecem e, se não pronunciam as seis consoantes e três vogais do seu nome, é por temerem que, invocado, ele lhes entre pela garganta e amesquinhe suas palavras, como aconteceu comigo, e agite seus braços como os de um boneco de posto de gasolina, e lhes moa o cérebro, como fez com o meu, e os leve a tropeçar em cada passo, e a estatelar-se, e a ajoelhar-se, e a implorar inutilmente por clemência.