sábado, 12 de janeiro de 2013

Kama Sutra - LXXXIII

Imagino ter sido serviçal teu em outra vida, e deves ter tido por mim um sentimento que não sabias explicar. Eu devo ter sido desastrado contigo, pisado no teu gato, esquecido de regar tuas flores, entornado teu chá. Tinhas outros serviçais, meia dúzia deles, mas não os chamavas. Sabias talvez que não te falhariam, que tão exímios seriam em obedecer-te que não haveria como descarregares sobre eles tua ira e teu capricho. Gostavas de me chamar, de sentir meu esperançoso medo, de ver como eu ansiava por errar, de observar como eu, em tantas ocasiões, temendo não obter minha recompensa, me fazia ainda mais tolo diante de ti e ensinava maiores inabilidades aos meus dedos, até que a fúria se acendesse em teus olhos e, ordenando que eu tirasse a camisa, me chicoteavas, exigindo que nenhum gemido meu escapasse de teu quarto trancado, embora muitas vezes teus gritos de júbilo escapassem pelo vão da porta. Sinto isso tudo quando me aproximo de ti hoje. Nem preciso ficar especialmente atento. Minhas mãos tremem, minha voz vacila, meus gestos fracassam, enquanto nos teus olhos começa a cintilar a fúria e tua mão se crispa, como se já empunhasse a chibata.

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